31 ago 2019 Esdras CETAD, DESTAQUE (notícias em destaque), Estudo Bíblico, Notícias
INTRODUÇÃO
“Eles têm uma maneira atrapalhada de falar, como pessoas que, em vez de agir de maneira ordenada, passam de uma coisa para a seguinte, de modo que não se pode compreendê-los ou ver o que está insinuando.” (LUTERO, 1523, apud, FEINBERG, 1958)
Essa era a reclamação do reformador Martim Lutero ao ler os livros proféticos do Antigo Testamento. Vale ressaltar que os 17 livros escritos pelos profetas representam quase a metade das obras veterotestamentárias (43,58%), de acordo com a Septuaginta.
A queixa da dificuldade da leitura é endossada por especialistas, como Douglas Stuart, em sua aclamada obra Entendes o que lês? (2011). Para eles, a literatura profética é carregada de simbolismos, que em sua apresentação, não estabelece uma proposta de forma ordenada.
Por isso, que essa pesquisa vem colabora no auxílio da compreensão histórica e social do período em que o profetismo está inserido no judaísmo. Esse trabalho propõe que analisar o cenário político ajuda na compreensão do movimento e, assim, uma melhor interpretação dos escritos proféticos.
Vale salientar que quando se compreende o contexto histórico, principalmente social e político, e o tipo de literatura usada como transporte de sua mensagem é possível uma melhor compreensão desse fenômeno – profetismo judaico, que, para muitos autores é único nas culturas antigas.
De uma forma geral, o profeta, em todas as culturas, era o porta voz de uma divindade. Como característica comum, ele não possui mensagem própria, mas recebida por meio de transe, visões, sonhos ou leitura de objetivos a vontade do Ser Supremo.
O professor Dr. Padre Mauro Negro (2009), que, além de ser uma “figura singular”, em comparação a outras culturas, o “fenômeno é único”, pela sua própria “natureza, pela sua fonte e pela sua argumentação” (NEGRO, 2009).
A finalidade desse trabalho é mostrar que o profetismo judaico rompe com essa estrutura profética padrão e, o profeta veterotestamentário é um guardião das leis e mandamentos. Com o monarca em Israel está sob a Torá, o profeta será o agente divino que apontará os pecados e desvios políticos dos líderes, sacerdotes e o povo.
O profeta do Antigo Testamento não fica no olimpo distante dos problemas sociais que afligem a nação. Quanto maior a crise política-social em Israel, maior será a evidência dele em expressar seu descontentamento e desaprovação quando se tratava de atitudes que contrariassem os princípios estabelecidos pelo próprio Deus e registrados em Sua Palavra.
Essa posição diferenciada caracterizam os profetas, segundo Reverendo Joaquim Beato (1962), como “verdadeiros homens de Israel”. Para Eduardo Teixeira (2009), os profetas, ao analisar a situação história, terá uma mensagem que transita entre fé, obediência, justiça e o amor. “É alguém cônscio de sua palavra e de sua missão, alguém que está pronto a defender sua palavra com a vida e com as ações” (TEIXEIRA, 2009).
Para os especialistas usados na produção desse trabalho, o profetismo Judaico aponta para uma nova fase na história da revelação de Deus ao homem e por meio de um homem (Deuteronômio: 34,10-12). Alguns eruditos apontam Abraão como primeiro profeta Bíblico. Mas a partir de Samuel que essa modalidade se torna frequente (1 Samuel: 3,1-21).
Samuel também foi responsável pela transição da teocracia para a Monarquia, ungindo os dois primeiros reis de Israel – Saul e Davi. Ele criou a escola de profetas e aproximou esse grupo a ter influência direta na política e cotidiano do povo.
O fim da Monarquia, no século V a.C datou o fim do profetismo em Israel, interligando o movimento com a política nacionalista instituída naquela nação. Para Negro (2009), o profetismo é um movimento social e o profeta é o oráculo de Senhor.
Neste trabalho pretende mostrar que o profeta, no período veterotestamentário, foi o fiel da balança na monarquia. O professor e pastor Luciano R. Peterlevitz (2008) destaque que o profeta surge como um contraponto ao Estado Monárquico e seus viabilizadores: exército, sacerdote, juízes e latifundiários.
Com ajuda de autores, como Peterlevitz (2008), este trabalho pretende que o movimento se torna sem precedentes na história antiga, porque seus interlocutores eram anunciadores da moralização e espiritualidade requeridas por Deus, e isso não tem paralelos nos outros profetas de outras culturas. “Em lugar de feiticeiros e adivinhadores, Deus levanta profetas que busquem o bem espiritual do povo, para que o mesmo cumpra os propósitos de Deus” (PETERLEVITZ, 2008).
I – O PROFETISMO EM ISRAEL
As pregações feitas sobre o exercício do profeta, na maioria das vezes desconsidera o movimento do profetismo em Israel. O movimento na Nação Judaica foi determinante para mudanças no regime político, principalmente do teocrático para monarquia.
O profetismo é um fenômeno tão importante para o Antigo Testamento, que a religião Israelita é conhecida como religião profética. Nos textos sagrados da Bíblia, o profeta, o arauto do profetismo, é aquele, que por definição, fala em lugar de outrem, ou seja, cabe a ele proclamar os oráculos de Deus (Deuteronômio: 18,21-22).
É por isso, que, de acordo com o professor Isaltino Gomes Coelho Filho (2004), alguns, considera o profeta como “pessoa que adivinha coisas”. O conceito entre os pagãos, de acordo o professor (COELHO, 2004), de profetismo está mais relacionado à lecanomancia (leitura do futuro pela figura do azeite derramado numa taça sagrada) e a hepatoscopia (a leitura do futuro pelos riscos do fígado de animais sacrificados aos ídolos).
O uso de objetos entre os pagãos parece ser comum, como as árvores sagradas usadas pelos cananeus. Em Gênesis: 12,6, a palavra Moré, na expressão carvalho de Moré, significa, em hebraico, mestre. É possível que os cananeus usassem essas plantas para consultas futuristas.
Os profetas não bíblicos utilizavam de alucinógenos para ter sonhos, observavam vôo dos pássaros para fazer interpretações e outras coisas. Eles não possuíam uma mensagem com fundo moral e ético. “Mas buscava descobrir o futuro para orientar os reis sobre guerras a declarar, alianças políticas a fazer ou decisões por tomar, como os adivinhadores e os sábios de Faraó, como registrado em Gênesis: 41,8” (COELHO, 2004).
Ao contrário dos profetas pagãos, os do Antigo Testamento foram homens extraordinários e com mensagens extraordinárias. Todos tinham tarefa especial a cumprir e, dever difícil a realizar. Porém, todos tinham ouvido a voz suprema do Altíssimo e se sujeitaram ao seu mandado.
Confiando em Deus lançaram-se à obra, e com os olhos fixos na linha de chegada levantaram suas vozes proferindo profecias poderosas e inspiradas. Muitas das vezes, mesmo com risco de vida, permaneceram fiéis, anunciando que o Todo Poderoso estava irado com a nação, e que em breve o seu justo juízo seria executado sobre todos o que não se arrependessem e voltassem a Ele.
1.1 Profetismo no mundo antigo
O Profetismo iniciou na Síria, Palestina e Mesopotâmia e se registrou como um fenômeno religioso presente em culturas do Antigo Oriente Médio. Os registros bíblicos falam como um movimento internacional (Jr 27:9).
Por exemplo, na Suméria o Profeta é visto como o “Homem que penetra o céu”. No geral, os historiadores apontam para uma característica estática: (êxtase – Sair de si – 1Reis: 18,19; 2 Reis: 10,19).
Peterlevitz (2008) cita como exemplo profetas (ligados a um santuário local ou cortes reais) da antiga Assíria, que serviam como sacerdotisas no templo de Ishtar. A história não aponta evidências de profetas no Egito, umas das primeiras civilizações organizadas do mundo.
Mas atenção se volta para as cartas de Mari (escritas no século 18 a.C.) possibilitaram a realização de uma correlação entre a profecia israelita e a profecia no Oriente Próximo Antigo, apesar de não ser um pensamento unanime entre os estudiosos.
Essas cartas apontam para diversos tipos de emissários transmissores de oráculos. Os documentos denominam um deles como Apilu/Apiltu. Peterlevitz (2008) explica que a nomenclatura sugeriu às pessoas que possuíam as respostas designadas às divindades.
Fala ao meu senhor: Assim (diz) Mukannishum, teu servo: eu tinha oferecido os sacrifícios a Dagan pela vida de meu senhor. O .respondente. de Dagan de Tutal ergueu-se; assim falou ele, a saber: .Babilônia, estás ainda disposta? Eu te conduzirei para a armadilha (?) … As casas / famílias dos sete parceiros e quaisquer que (sejam) sua possessões eu porei nas mãos de Zimrilim. (FOHRER, 1982, apud PETERLEVITZ, 2008) 1
As cartas de Mari é um conjunto de aproximadamente 25 mil tabletes cuneiforme e se relacionam com o período de Zimrilim, rei de Mari, por volta de 1700 a.C. Os profetas mencionados nesses documentos compunham um grupo seleto de pessoas que possuíam uma comunicação “especial” com as divindades dentro de um templo.
Esse grupo servia como mensageiros dos deuses e transmitiam os oráculos das divindades, por meio de presságios, sonhos ou visões e experiências extáticas.
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1 Um extrato das cartas de Mari que menciona o apilu, que aparentemente, prometeu ao rei vitória e domínio sobre outras nações (PETERLEVITZ, 2008).
No entanto, a diferença entre os profetas pagãos dos profetas bíblicos é a forma de proceder. Era usual a utilização da lecanomância (leitura do futuro pela figura do azeite derramado numa taça sagrada), a hepatoscopia (a leitura do futuro pelos riscos do fígado de animais sacrificados aos ídolos) e árvores sagradas, conforme já citado neste trabalho.
Portanto, vale observar, que conforme exposto pelas análises feitas às Cartas de Mari, a mensagem desses mensageiros não possuía um fundo moral e ético. Em Gênesis: 41,8, depois de sonhos conturbados, Faraó os magos e sábios do Egito. Fica claro que a utilização desse grupo, que tinha acesso à divindade, restringia à busca de desvendar o futuro, com o intuito de orientar os reis sobre guerras, alianças políticas ou decisões por tomar.
Os profetas Bíblicos não possuem uma mensagem somente futurística, mas legislam sobre o povo de Deus – Israel – com o intuito de qualifica-lo para servir ao Todo Poderoso. O professor PETERLEVITZ (2008) destaca em sua pesquisa que o movimento profético vétero-testamentário é caracterizado pela multiplicidade.
Ele aponta, em síntese, pelo menos para três ramificações do profetismo em Israel:
1) Existem profetas do templo e da corte (Natã e Gade, que estavam na corte com Davi);
2) existem profetas críticos, pré-literários, que se distanciam da corte e do templo (Elias e Eliseu);
3) existem profetas radicais, da profecia literária, que visam ao fim do rei e do Estado (Amós, Isaías, Jeremias, etc..).
Ao analisar o profetismo vétero-testamentário, neste trabalho será abortada essa classificação sugerida por PETERLEVITZ (2008). Essa abordagem traz um retrato fidedigno desse movimento, que comparado a outras culturas, é único.
1.2 – Em busca de definição
Na pesquisa realizada para composição deste trabalho, dentre as palavras usadas para definir profeta, três são destacadas pelos autores que fundamentam essa pesquisa: nabi (profeta 1Samuel: 9,11), ish.elohim (homem de Deus -1 Samuel: 9,6-10) e ro.eh (vidente – 1 Samuel: 9,11).
Uma prova disso é 1 Crônicas: 29,29, que aparecem os três títulos: ro.eh, nabi. e hozeh. “Os atos, pois, do rei Davi, assim os primeiros como os últimos, eis que estão escritos nas crônicas de Samuel, o vidente, e nas crônicas do profeta Natã, e nas crônicas de Gade, o vidente”.
Essa variedade de termos tem gerado vários posicionamentos teológicos. Para Georg Fohrer, (1982 apud PETERLEVITZ, 2008) o profetismo bíblico estava interligado com o tipo de vida da comunidade.
Pelos relatos bíblicos, quando a comunidade era nômade, os profetas eram chamados de ro.eh (Deuteronômio: 34,10). Já quando a comunidade passava a ter residência fixa, ou seja, morava em área cultivável, o profeta era o nabi.
É claro, que essa opinião não é uma unanimidade entre os autores que analisam o tema. Mas, a maioria, se direciona para esse tipo de entendimento. Vale salientar que a quantidade de palavras em hebraico para designar profeta dificulta uma definição que busque decifrar a essência da função na constituição do povo Hebreu.
A dificuldade já pode ser encontrada no primeiro profeta Bíblico: Abraão. O patriarca era nômade, no entanto, o texto sagrado identifica-o como Nabi – um profeta de terra cultivável (Gênesis: 20,7).
Conforme já descrito, o termo volta a ser usado para o primeiro profeta Nacional – Moisés. Em Deuteronômio: 18,15 se lê: “o Senhor teu Deus te suscitará um profeta (nabi) como eu, do meio de ti, de teus irmãos. A ele ouvirás”.
Neste contexto bíblico, a expressão Nabi elava o conceito de profeta como uma instituição e não mais como uma vocação aleatória. A partir de então, por meio do relato bíblico, é possui ver a constituição, organização, ordenamento e até uma academia (escola de profeta) voltada para o exercício da função.
Para Coelho (2004) a citação de Deuteronômio requer atenção, porque Moisés é “mostrado como o padrão profético”. Tudo indica que a expressão Nabi tenha como origem o verbo nivva, uma derivação do acadiano navvu, que significa chamar, nomear. Nesse caso, o verbo nivva significaria o ato de designar alguém como arauto (COELHO, 2004).
No geral, Nabi estava relacionado a fertilidade da vegetação da terra cultivável, ou seja, o termo é uma referência aos profetas estáticos, que estão ligados a um santuário ou cortes reais.
O termo não está associado somente aos profetas bíblicos, por exemplo, os profetas de Baal poderiam ser classificados como Nabiim – plural de Nabi (1Reis: 18,19:22; 2 Reis: 10,19). Antonious Gunneweg (2005, apud PETERLEVITZ, 2008), distingue o fenômeno do Nabi como sendo um fenômeno sobrenatural. Para o escritor, uma pessoa ganhava essa nomeação quando ao proferir uma profecia parecia estar possuído ou em estado de êxtase.
Uma outra característica dos Nabiim é a forma de organização, pois, em vários textos, eles aparecem reunidos em grupos (1 Samuel: 10,10-13; 19,18; 2 Reis: 2,15; 4,38; 6,1; 13,11; 2 Reis: .3-5; Malaquias: 3,5). Quando a Bíblia diz que caso de Saul profetizou, enfatiza o texto que o mesmo estava no meio dos profetas (1Samuel: 19,18-24). “Esse episódio merece uma observação: o Espírito de Deus veio sobre Saul, que despindo sua túnica, profetizou diante de Samuel, e permaneceu deitado, sem ela, um dia e uma noite, diante de Samuel”.
Os textos não dão um padrão para definir se era um Nabi ou não, mas tudo leva a compreensão que esses pessoas passavam por transe profético.
O termo Nabi. pode ser aplicado aos vários grupos e indivíduos e, provavelmente, relacionava-se com o acádico nabû, que quer dizer chamar, anunciar, nomear e outros, mas, pondera Peterlevitz (2008), que não é possível dizer se o termo tem sentido ativo ou passivo.
Se considerarmos que o hebraico exprime a ação de profetizar no passivo, teremos que sugerir que o nabi sofria a ação que Deus lhe impunha, e consequentemente, a ação profética não dependia da iniciativa humana, mas somente da ação divina. Assim, etimologicamente, nabi significaria chamado, convocado para uma missão concreta. (PETERLEVITZ, 2008)
De acordo com alguns autores, em especial Coelho (2004), o significado de Nabi, o primeiro significado bíblico para profeta, no Antigo Testamento, seria o de proclamar, o de anunciar, fazendo assim o papel de um arauto. “Seu uso acontece um pouco mais que trezentas vezes, sendo que quase um terço das ocorrências está em Jeremias” (COELHO, 2004). Sendo assim, Nabi é a expressão mais usada no Antigo Testamento para designar o profeta.
Vale mencionar que, conforme já dito neste trabalho, Abraão e Moisés são chamados de Nabi. No entanto, percebe-se uma diferença na forma que se relacionam com o termo. O primeiro mostra ter uma relação especial com Deus e o segundo como um verdadeiro arauto.
Na Bíblia aparece um segundo termo em hebraico para profeta: é ish Elohim, homem de Deus. Um registro sucinto que o título não é auto-apregoado ao portador, mas um reconhecimento que os outros faziam do profeta.
Segundo Coelho (2004), nos livros do Antigo testamento, o termo aparece 76 vezes e quase na metade é aplicado a Eliseu. “Não é que ele seja o padrão, mas parece ser o estilo do redator da história de Eliseu o de apreciar o termo e empregá-lo com assiduidade. Parece mais questão de jeito do autor bíblico se expressar” (COELHO, 2004).
A expressão ish Elohim aponta para uma pessoa que possui a confiança de Deus e as pessoas conseguem ver isso nela. Um ponto que chama atenção no profetismo Judaíco, é que o profeta não se intitulava profeta e nem buscava tal condição.
Muitos foram chamados de profeta pela literatura, mas, em seu dia a dia, apresentava-se como um homem comum, mas que buscava auxiliar o povo a construir uma relação com Deus.
O outro termo que aparece no texto Bíblico para profeta é a junção de duas palavras hebraicas: ro’eh e hozeh. O sentido delas é vidente. A expressão aponta para um homem habilitado por Deus para discernir a vontade divina. O termo conota alguém cujos olhos haviam sido desvendados para ver e entender coisas não discerníveis aos homens em geral.
A palavra hebraica ro’eh, deriva duma raiz que significa “ver”, em sentido literal ou figurativo. O vidente era homem consultado por outros para obter conselho sábio sobre problemas enfrentados (1Samuel: 9,5-10). A Bíblia chama Samuel (1Samuel: 9,9;11; 18- 19; 1Crônicas: 9,22; 29:29), Zadoque (2Samuel: 15,27) e Hanani (2Crônicas: 16,7;10) de videntes.
No mesmo sentido, o termo é usado em Amós: 7,12, onde Amazias chama a Amós de ro’eh: “Vai-te, ó vidente (ro’eh), foge para a terra de Judá, e ali come o teu pão, e ali profetiza”.
Ao analisar os textos bíblicos, como 1Samuel: 9,9, parece indicar que nabi e hozeh significavam algo diferente no passado, mas depois se tornaram sinônimos. Para muitos estudiosos a vidência seria um dos tipos da profecia, tendo o vidente como figura preponderante. De acordo com Peterlevitz (2008), o vidente corresponderia ao termo árabe kahin. A esse fenômeno assemelhavam-se os nômades patriarcas e Balaão (Números: 22,24).
A expressão ro’eh está associada com a interpretação de eventos ou de algo comum. O profeta, nesse sentido, olhava e trazia uma aplicação, ética, moral e espiritual, ao povo de Israel.
Jeremias vê um oleiro fazendo um vaso e compreende a relação entre Deus e Israel (18,1-4). Vê uma vara de amendoeira florescendo (1,11-12) e faz um trocadilho: ele vê uma amendoeira (shaqed) que soa parecido com vigilante (shoqed). A amendoeira floresce quando capta o aumento da umidade do ar. Está pronta para lançar as folhas, novamente. Ela vigia, ela shoqed o ar. Assim Deus está shoqed com sua palavra. Ninguém veria isso, mas o profeta vê. Ele vê uma panela fervendo, na parte norte (1,13-15). Estava vazando. Ele vê a ira de Deus fervendo e pelo norte, de onde vem um inimigo (COELHO, 2004).
Esse termo corrobora para uma compreensão do profeta veterotestamentário, porque ele não possui somente uma visão futurística dos fatos, mas ele consegue aprofundar a discussão e apontar as causas e efeitos das desolações, como evita-las e alcançar o processo de restauração.
A septuaginta traduziu navi, ro’eh, hozeh por prophetês (grego), que aponta para alguém em contato com o sobrenatural ou divino e tem a chancela para falar em nome deles e por eles. Sendo assim prophetês é um intermediário, um elo ou um prisma que trará aos homens comuns a revelação do além e, sem a presença dele, aquela determinada comunidade não saberia a vontade dos seus deuses.
Esse termo é usado no Novo Testamento quase cento e cinquenta vezes. A palavra profeta, em português, se origina de prophétes, e significa advogar ou discursar em público. Em latim, profeta é “interprete” ou “porta-voz” especialmente dos deuses, “inspirado pregador ou professor”, de pro – “à frente, mais adiante” ou “para, em nome de”, mais a raiz phanai – “falar”. Ou seja, uma pessoa que falava “o que ia acontecer mais adiante” ou “em nome de alguém”.
Em Hebraico aparecem outros termos para profeta, que são usados bem menos dos que citados neste trabalho. Mas eles não possuem a singularidade daqueles descritos.
O sophi’im significa atalaia (Jeremias: 6,17; Ezequiel: 3,17; 33,2;6;7); shomer, atalaia, sentinela, guarda (Isaías: 21,11-12; 62,2) e raah, significando pastor (Jeremias: 23,4; Ezequiel: 34,2-10; Zacarias: 11,5;16).
Uma outra expressão é Beney ha-nebi.im, Filhos dos profetas. Por meio do profeta Eliseu surgiu a relação de mestre-discípulo. Vale lembrar que a Escola de profetas foi fundada por Samuel, mas ganha evidência com Elias e seus sucessor, Eliseu (2Reis: 4,38; 6,1; cf.2,15). “esses discípulos de profetas parecem viver temporariamente juntos: reúnem se em um lugar modestamente mobiliado, tomam refeições em conjunto e talvez de distingam através de um sinal na cabeça (1Reis: 20,41; 2Reis: 2,23)”, descreve Peterlevitz (2008).
Outro termo para profeta é Ish ha-elohim – Homem de Deus, que refere-se a alguém que opera milagres mediante uma íntima relação com Deus (1Reis: 17,18; 13,1,11; 20,28; 2Reis: 1,9-18; 4,7; Juízes: 13,6-8; 2Crôncas: 25,7,9), explica José Luis Sicre (2002, apud, PETERLEVITZ, 2008). Ele salienta que o título não era auto-apregoado a si mesmo de forma triunfal. Era um reconhecimento que os outros faziam do profeta, acrescentou.
1.3 – A figura do profeta
Quem é o profeta verotestamentário? O que o move? Quais suas aspirações? O Padre Negro (2009) comenta que o profeta é apaixonado pela revelação de Deus, por meio do Pentateuco e de sua própria história. O profeta não só prediz os acontecimentos, mas é um baluarte e guardião das leis e mandamentos divinos. “Ele é um paradigma de ação, de adesão, de arrebatamento pela Palavra do Senhor, que o toma de modo quase absoluto” (NEGRO, 2009).
O profeta Bíblico, mesmo o estático, é um “agente de campo”, que está na “linha de frente” e extrapola seus limites e realidades, por exemplo Ezequiel: 1,3 e Jeremias: 1,1 (NEGRO, 2009). O profeta não escolhe ser profeta, mas é um eleito, ou seja, vocacionado pelo próprio Deus.
Não está claro porque este ou aquele indivíduo é chamado para a missão profética, senão que ele é escolhido. Ele exerce uma missão quase nunca oficial, no sentido de ser em nome dos poderes e instituições estabelecidas. Diversamente a isto parece que ele está quase sempre à margem das instituições, não em função delas, mas sim do Deus de Israel (NEGRO, 2009).
O profeta é uma espécie de guardião dos mandamentos estabelecidos por Deus na Torá. Ele não tem uma mensagem própria ou alinhada a interesses pessoais, mas uma chamada de atenção do próprio Deus, que constituiu e formou o povo de Israel.
O doutor e padre Negro (2009) analisa que “o profeta é o representante avançado do projeto do Êxodo”. O homem chamado para tal ofício é responsável em estabelecer um modo de ser e viver na Terra Prometida – Canaã.
Uma das batalhas de conquista do novo território teve como protagonista a profetisa Débora. Ela mobilizou, motivou e organizou o povo para vencer Jabim, Sísera e os Cananeus (Juízes: 4 e 5).
Por isso, no profetismo Judaico, as mensagens proferidas pelo profeta não é apenas uma argumentação humana, mas ações, realizações e atos simbólicos. Um exemplo foi o profeta Oséias, tomou como esposa uma prostituta por ordem divina. Já Jonas teve que pregar o fim de toda uma cidade – Nínive. Jeremias, um dos representantes mais fidedignos do movimento profético, continua com três pontos, vertentes de ação e identidade profética: poder, destruição e construção (NEGRO, 2009).
Continua na próxima sexta-feira….
SILVA, Esdras Domingos da. Profetismo veterotestamentário como reação à crise social. 2018-2019. 51 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de Teologia – Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson (Unar), Araras (SP), 2019.
O Autor:
Esdras Domingos da Silva é casado e presbítero da Assembleia de Deus – Belém – Campo de Limeira, em Artur Nogueira. Ele é jornalista, bacharel em teologia pelo CETAD e UNAR e especializado em gestão ambiental pela Faculdade Anhanguera. Esdras é um dos responsáveis pelo site da IEAD Belém e professor no CETAD.