15 set 2019 Esdras CETAD, DESTAQUE (notícias em destaque), Estudo Bíblico, Notícias
II – MOVIMENTO PROFÉTICO ENTRE OS JUDEUS
Por muito tempo, estudiosos, pesquisadores e biblistas procuram fixar esquemas, divisões e cronologias a respeito dos profetas. Os autores usados para elaboração deste trabalho propõem uma divisão ao profetismo em Israel: pré-clássico e clássico.
Os profetas pré-clássicos são aqueles que atuaram antes da organização dos oráculos escritos elaborados também pelos profetas. Esse primeiro momento inicia no período Patriarcal, passa pelo teocrático e pré monárquico e encerra durante a monarquia, ou seja, até o século IX a.C.
Vale salientar que, ao longo da construção de identidade do povo de Israel como nação, os profetas, de acordo com Alexandre Milhoranza (2012), se situavam como líderes da comunidade, assim como Moisés no deserto, e, séculos depois Débora, no período dos juízes. “Na transição do período dos juízes para o período monárquico, quem assumiu a liderança do povo de Israel foi o profeta Samuel, cujas credenciais estão mencionadas em 1 Samuel 3”, MILHORANZA (2012).
Essa ideia de uma liderança política-religiosa também é defendida por PETERLEVITZ (2008). Ele lembra que outros profetas possuíam influência direta nas decisões dos monarcas, como Natã, conselheiro de Davi e Elias e Eliseu em assuntos estratégicos para a nação.
Após a ascensão de Saul ao trono de Israel o profeta passou a ser uma espécie de conselheiro do rei. Em algumas ocasiões esta relação não era oficial. A partir deste período, as profecias passaram a ser registradas de forma espalhada pelos livros que narram a história do povo de Israel. Podemos tomar como exemplo os oráculos do próprio profeta Samuel, que estão diluídos nas narrativas do seu livro. Outro profeta com uma situação semelhante é Natã, cujos pronunciamentos recheiam o livro de 2 Samuel. O profeta Elias é o exemplo do profeta conselheiro não oficial. Diferentemente de Natã, Elias não ficava na corte do rei Acabe, entretanto serviu como porta-voz de Deus e conselheiro para o rei. A principal característica da profecia neste tempo era o tom de incentivo ou advertência para o rei (MILHORANZA, 2012).
Já os profetas clássicos, também conhecidos como profetas escritos, atuaram depois da divisão do reino de Israel – Sul e Norte, entre 750 e 450 a.C. Eles denunciaram os pecados e transgressões que os reis e o povo judeu haviam se envolvidos. Os profetas escritores apontaram para o juízo divino, os cativeiros (Assírio e Babilônico) e a destruição de Jerusalém.
O trabalho dos profetas clássicos acontece durante o declínio da monarquia, desde quando Israel atingiu a prosperidade sob a liderança de Jeroboão II, passando pela eliminação das dez tribos do Norte, em 722 a.C., até a extinção das duas tribos do Sul, no século 6 a.C (PETERLEVITZ, 2008).
Esse momento do profetismo em Israel é caracterizado pelos oráculos proféticos organizados em 17 livros. Os primeiros profetas clássicos Amós e Oséias no século VIII, durante a liderança de Jeroboão II, no Reino do Norte, Israel. Pelo Sul, a lista, bem maior de profetas escritos, inicia Isaías e Miquéias, que registraram suas mensagens ao povo de Deus.
Milhoranza (2012) pontua que uma das diferenças mais relevantes entre os momentos pré-clássico e clássico é que nesse segundo as mensagens eram direcionada, em sua maioria, ao povo e não somente ao rei ou a corte. “Por isso, sua mensagem não foi somente uma advertência ao rei, mas também continha uma grande parcela de crítica social e religiosa”, (MILHORANZA, 2012).
Esse é um ponto culminante dentro do profetismo Judaico, que o torna diferente e único de manifestações proféticas de outros povos. Os profetas pré-clássicos hebreus pouco se diferencial dos profetas das outras nações do Antigo Oriente Médio.
Para MILHORANZA (2012), o profetismo pré-clássico “não havia diferença” a maneira como os oráculos eram recebidos e pronunciados. O autor garante que atuação dos profetas clássicos é única e exclusiva e, na história, não se encontra paralelos em outros povos.
No período clássico, a mensagem profética encontrada em outras nações era restrita aos rituais de manipulação da divindade, isto é, os escritos proféticos não hebraicos se preocupavam em acalmar a ira dos deuses com rituais e sacrifícios. A profecia clássica hebraica, no entanto, era antirritualista, pois oponham-se à ideia de que Deus pudesse ser manipulado. (MILHORANZA, 2012)
A base da profecia no período clássico é a Aliança que Deus estabeleceu com o povo Judeu no Sinai (Êxodo: 19). Os interlocutores faziam questão de lembrar a Israel qual a finalidade que o Senhor, Todo Poderoso, havia constituída aquela nação na história da humanidade.
Vale observar que cabia aos Hebreus testemunhar sobre Deus (Iavé) a outras nações. No entanto, os profetas clássicos reforçavam que se Israel não cumprisse o seu propósito a ira do Todo Poderoso pesaria contra todos os judeus.
MILHORANZA (2012) afirma que nenhuma outra divindade tinha uma teologia semelhante. “Apenas a mensagem profética hebraica possuía o conceito escatológico, isto é, Deus realizaria seu plano de longo prazo na história da humanidade, até o estágio final” (MILHORANZA, 2012).
Os profetas clássicos hebreus possuíam uma mensagem profética carregada de críticas sociais e religiosas, mas sem perder a esperança para o futuro.
Lembrai-vos das coisas passadas desde a antiguidade; que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim.
Que anuncio o fim desde o princípio, e desde
a antiguidade as coisas que ainda não
sucederam; que digo: O meu conselho será
firme, e farei toda a minha vontade.
Que chamo a ave de rapina desde o oriente, e
de uma terra remota o homem do meu
conselho; porque assim o disse, e assim o
farei vir; eu o formei, e também o farei. (Isaías:
O profetismo em Israel se encerra com pós-exílio da Babilônia por volta do ano 450 a.C. Para Samuel Amsler (1992, apud, PETERLEVITZ, 2008), o profetismo “estava associado à instauração da realeza”, ou seja, depois que Israel foi subjugada pelo Babilônia, nunca mais ascendeu ao trono um rei Judeu.
Israel foi dominada, como já dito, pelos Babilônicos, depois Persas e Gregos e, por fim, os Romanos, que no ano 70 d.C destruiu o templo e Jerusalém.
Para melhor entender, PETERLEVITZ (2008) separa os profetas literários em três grupos, relacionando-os aos seus períodos históricos:
– Os profetas do 8º século (760 a 700 a.C.): Amós, Oséias, Isaías, Miquéias e Jonas.
– Os profetas dos 7º e 6º séculos (640 a 587 a.C.): Sofonias, Naum, Jeremias, Habacuque e Ezequiel.
– Os profetas do 6º e 5º séculos (539 a 443 a.C.): Ageu, Zacarias, Obadias, Daniel, Joel e Malaquias.
2.1 – Diferença do profetismo Judaico
Apesar do assunto já ter aparecido nesse trabalho, vale a pena analisar um pouco mais as diferenças do profetismo Judaico para as manifestações proféticas que havia em outros povos. Vale observar que não é a finalidade desta pesquisa levantar todos pontos que distingue e torna único esse movimento em Israel.
Porém, pretende-se uma sucinta reflexão das características desse movimento em nação hebreia. Para começar, uma das criações do judaísmo – pelo menos no que se tem registro – foi o monoteísmo.
Alguns líderes outras nações, como o Egito, tentaram, mas foram sufocados por perseguições religiosas. O judaísmo é o primeiro caso de sucesso, onde um povo declara que o seu Deus é onipotente, onipresente e onisciente.
Essa característica de Israel – monoteísmo – já a diferencia de outras nações. O profeta Judeu será, então, o porta voz desse único Deus e, ao mesmo tempo, defenderá a crença somente em Iavé.
Para o Reverendo Joaquim Beato (2012) os profetas eram concebidos e se concebiam a si mesmos como porta-vozes de Deus. O escritor aponta que eles se apresentavam como despenseiros de um segredo divino e seriam os “únicos capazes de perceber o sentido íntimo dos acontecimentos da história do povo de Deus, e os únicos chamados para proclamá-lo a seus contemporâneos”.
É fato que em outros povos existiram profetas, mas, para o professor e padre Dr. Mauro Negro, a diferença do profetismo em Israel está no que ele chama de “Agente da profecia ou de seu motivo mais fundamental Deus”. A mensagem profética era superior ao profeta e os mandamentos divinos eram superiores até ao poder do Monarca hebreu.
A manipulação da mensagem profética, a interferência ou a negligência traria danos ao profeta. Por isso, ele é o portador da mensagem e não o dono dela. No exercício da função, o profeta não pode aumentar e nem retirar um “iota” (Mateus: 5,19).
É Deus que determina o tipo de profecia e consequentemente de Profeta. A profecia é imediatamente ligada à imagem de Deus que é alimentada e vivenciada, ela serve aquele Deus que deseja anunciar ou o qual deseja ser anunciado por ela (NEGRO, 2009).
A diferença do profetismo em Israel para outras nações era a relação proposta entre o profeta e a divindade. O arauto tem uma relação pessoal com Deus e, em outros povos, esse contato com o divino é anônimo ou um reflexo da natureza.
Negro (2009) comenta que os outros grupos sociais possuem multiplicidade de deuses e deusas e a maioria dessas divindades se apresentam como forças da natureza personificadas. Contrário desses povos, o Deus apregoado por Israel e a tradição judaica é pessoal e intervencionista, além de repreender, animar e chamar. “Não é um deus entre tantos de um panteão, mas é o Deus que tem a identidade da vida, do ser vivo” (GRILL, XXX, apud, NEGRO, 2009).
Deus disse a Moisés:
Eu sou aquele que sou. Assim responderás aos israelitas:
Eu sou envia-me a vós. Deus disse ainda a Moisés: Assim dirás aos israelitas:
O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão,
Deus de Isaac e Deus de Jacó, envia-me a vós.
Este é o meu nome para sempre, e assim serei lembrado de geração em geração. (Êxodo: 3,14 e 15)
Uma outra diferença, que o profetismo argumenta a revelação de Deus na história. Já outros povos mostra um deus distante, imparcial e sarcástico.
Isso no registro que Isaías faz do contato transcendente que o profeta possui com Deus. No diálogo, o Eterno o convida a provocar uma mudança histórica:
E um dos serafins voou em minha direção; tinha em sua mão uma brasa que tomara do altar com uma tenaz. Tocou-me a boca e disse: Eis que isto tocou os teus lábios: foi removida a tua culpa e perdoado o teu pecado. Então ouvi a voz do Senhor que dizia: Quem enviarei e quem irá por nós? E eu disse: Eis-me aqui, envia-me! E ele disse: Vai e dize a esse povo: Ouvi, mas sem compreender, olhai sem reconhecer. Observa o coração desse povo endurece seus ouvidos e fecha seus olhos para que não veja com os olhos, não ouça com os ouvidos, não compreenda com o coração, e assim não possa converter-se e ser curado! E eu perguntei: Até quando Senhor? Ele respondeu: Até que as cidades fiquem devastadas, sem habitantes, as casas sem moradores e a terra devastada e desolada. O Senhor afastará os homens para longe e será grande o abandono no meio do país. E se ainda sobrar uma décima parte, esta tornará a ser desbastada como o terebinto e o carvalho que, ao serem abatidos, resta deles apenas um tronco. Seu tronco é uma semente santa. (Isaías: 6,6-13)
O professor Negro (2009), aponta que outra diferença do profetismo de Israel, que o caracteriza como único, é a noção de um “Deus encarnado”. Esse Deus exige dos profetas e, consequentemente de seu povo, um empenho ético e moral que não acontecerá em outras manifestações religiosas. “Outros profetas em outros povos e religiões não têm a mesma imersão na história que os Profetas de Judá e de Israel, pois os deuses destes povos não se identificam com a nação”, Negro (2009).
Um outro destaque que diferencia o profetismo em Israel de outras manifestações proféticas é a relação personalizada que o profeta Judeu possui com Deus. No seu discurso o profeta de Israel proclama uma divindade que não aceita subornos ou se deixa violar por ofertas ou sacrifícios. Isso explica a resistência dos profetas, a partir do século VIII a.C à realeza, aos sacerdócios e a forma de culto.
Os profetas vão delatar que a liderança política e religiosa de Israel tinha como “sinal da busca de controlar e agradar a Deus […]”, Negro (2009). Por esses e outros motivos torna o profetismo judeu como particular, restrito e único na humanidade.
2.2 – Características dos profetas
O profeta israelita, protagonista do Profetismo Antigo Testamento, possui características peculiares. Ele não exerce o cargo como uma profissão, desejo pessoal ou consequência de aprendizado, mas possui um chamado divino e foi vocacionado para tal função.
De uma forma geral, os teólogos Andrew E. Hill e J.H. Walton, na obra Panorama do Antigo Testamento (2007) classificam os profetas veterotestamentários como “porta-voz”. O porta-voz não fala o que quer e nem quando quer, mas o seu lugar de fala se dá no lugar de outrem. O porta-voz é a voz de uma autoridade e tem como incumbência transmitir as mensagens oficiais de alguém.
Os profetas têm como características peculiares falar em nome de Deus e ao mesmo tempo o Todo Poderoso os usará para comunicar suas verdades ao seu povo. De Adão até Jacó – início da história humana até o fim da patriarcal, Deus estabeleceu uma comunicação direta com alguns homens.
Após estabelecer o homem no Jardim do Éden, Deus disse: “E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente” (Gênesis: 2:16). Ao escolher Noé para conduzir a salvação do dilúvio à humanidade, o Iavé falou: “Então disse Deus a Noé: O fim de toda a carne é vindo perante a minha face; porque a terra está cheia de violência; e eis que os desfarei com a terra” ( Gênesis: 6,13).
Quando foi recrutar o patriarca Abrão, Deus falou: “Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei” (Gênesis: 12,1). Porém, quando Deus vai se relacionar com Israel, ainda no cativeiro Egípcio, passa a usar um porta-voz: Moisés (Êxodo: 3,1-16). Moisés é reconhecido como profeta e terá como incumbência, além de liderar, legislar sobre o povo na peregrinação.
O profeta, como bem expôs Andrew E. Hill e J.H. Walton (2007), através da mensagem profética, o profeta “expressa o sentimento divino por meio da profecia”. “Há tempos ouvi que o profeta fala o que Deus quer falar, sente o que Deus está sentindo e pensa o que Deus está pensando”, acrescentam.
Amós respondeu e disse a Amasias: Não sou profeta nem filho de profeta; eu sou vaqueiro e cultivador de sicômoros. Mas o Senhor tirou-me de junto do rebanho e me disse: Vai, profetiza a meu povo, Israel! (Amós: 7,14-15)
A atuação dos profetas constitui no movimento de mais importante e com maior relevância entre as religiões semíticas. Na história de Israel, o profetismo foi à fase mais criadora e normativa do Judaísmo.
Vale salientar que as histórias dos profetas nem são tão admiradas ou salta ao olhar como outros personagens bíblicos (Davi, Sansão e outros). Dos 39 livros veterotestamentário, somente 17 foi escrito por profetas – sem contar a Moisés.
Para o reverendo Joaquim Beato (2012), foram os profetas que, aprofundando à luz de novas situações, “forneceram a linha principal pela qual o cristianismo se insere na corrente central da tradição judaico-israelita”. O profetismo contribuiu, na visão do autor, para construção de um conceito de unidade e propósito na História, e a interpretação da História do povo de Deus como âmbito e meio especifico da revelação divina.
Além de ser vocacionado pelo Todo Poderoso, uma expressão que define o exercício do profetismo é o substantivo hebraico dabar, que significa palavra ou ação. Para o professor Negro (2009), “o profeta é, primeiramente um homem de palavra, em seguida um homem de ação”. O profeta sempre tem um olhar além, diferenciado, apurado e dissertativo, que não se restringe a uma atuação metafísica, mas visionária, que consegue analisar o presente tendo como base o processo histórico do povo Hebreu. Por isso, aparece na fala do profeta o elemento apocalíptico, que, não prevê apenas o futuro, mas direciona o povo para uma tomada de decisão.
Contrariando seus compatriotas, o profeta Jeremias, no capítulo 25, predisse os 70 anos de cativeiro, tendo como base o retrospecto de rebeldia do povo, devido à idolatria, em não guardar o ano sabático e oprimir o pobre, a viúva e o necessitado. De uma forma apocalíptica, ele anuncia que “cálice do furor” do Senhor seria derramado (Jeremias: 25,16) e Judá seria a primeira a beber (Jeremias: 25,17).
Vale lembrar que, nessa ocasião, as dez tribos do norte, conhecidas como Israel, já haviam sido subjugadas pela Assíria. Um outro detalhe que a expressão cálice do furor é uma referência sobre julgamento divino.
Porém, o profeta veterotestamentário não é apenas um arauto, mas é a palavra em ação, porque a palavra revelada ou interpretada passa pela sua e reflete como um prisma para os seus ouvintes. “A própria vida do Profeta é palavra: ele faz ou age e isto denota já a palavra que ele deve transmitir”, NEGRO (2009).
Por exemplo, o profeta Oséias, que exerceu seus ministério no século VIII a.C, dirigiu uma mensagem, por meio de sua vida, as dez tribos do Norte. Nesse caso, o seu matrimonio foi à mensagem profética e um ato simbólico de grande eloquência (Oséias: 1, 2). O profeta Ezequiel, junto ao rio Quebar, na Babilônia, decidiu caminhar como um imigrante errante, sinal do exílio e da deportação (Ezequiel: 12,37).
Algo peculiar característico do profeta bíblico é o seu envolvimento e mergulho a historicidade. As análises propostas por eles não são feitas por quem está aquém das ocorrências, mas vive o desfecho e as consequências das ações e escolhas do povo.
O profeta demole seguranças humanas, desafia os personagens, acusa, repreende, elogia, tudo de modo intenso, vivo. O Profeta é passional, pois a palavra que ele apresenta não pode ser dita de modo tranquilo, sem exigir um envolvimento afetivo (NEGRO, 2009).
Natan, o profeta da corte, impediu que o rei Davi construísse o tempo devido o adultério e o homicídio (1 Crônicas: 17,4-9). Mas Deus, por meio do profeta, avisou que daria ao rei uma sucessão, que construiria uma morada para Ele.
Natan, embora sem um livro homônimo, é como um modelo do profetismo a partir do século VIII. O Profeta é o homem da história, não o homem da ruptura do presente com o futuro. Ele, ao contrário consegue ver, ainda no presente, não apenas a destruição, mas também a semente de algo bom, do que virá como salvação (NEGRO, 2009).
Uma outra diferença que caracteriza o profeta no Antigo Testamento é ele ser o porta voz de Deus. Nas outras culturas antigas, esse papel era desempenhado pelo sacerdote, como intermediário do ser supremo.
No judaísmo, o sacerdote tinha como função básica de apresentar o povo diante de Deus, seja nos ritos sagrados, como os sacrifícios, por meio das festas ou nos ensinamentos das Escrituras. Tradicionalmente é aceito que Samuel exerceu um tríplice ministério: juiz (o último de Israel), sacerdote (embora não pertencesse à linhagem de Arão, oficiava os rituais) e profeta (na escolha dos reis Saul e Davi).
Samuel não era um sacerdote que profetizava ou um profeta que fazia funções de sacerdote. Mas possuía os dois ofícios, que, como sacerdote leva as petições do povo a Deus e como profeta anuncia ao coração da nação as verdades do Todo Poderoso.
O professor Negro (2009) ainda destaca que o profeta intercede a Deus pelo povo. Devido ao seu amor e comprometimento com as pessoas, o portador do oráculo divino, se envolve com as causas, conflitos, amarguras e consequências do povo.
O profeta bíblico, como já exposto neste trabalho, não está no cume de um monte vendo a nação mergulhar na desgraça e nos insucessos. Mas ele se coloca como um intercessor do povo e clama pela misericórdia de Deus (Habacuque: 3,2).
Mas, devido aos embates, repreensões e as declarações de juízo, o profeta bíblico sempre está no ostracismo. O professor e escritor Negro (2009) denomina o profeta como “um sinal de contradição”. Para o pesquisador, o profeta não é contraditório no sentido de ter uma mensagem incoerente.
Entretanto, a contradição do profeta está em sua missão, geralmente, não alcançar o sucesso. Na narrativa bíblica, ele passa por desentendido, desacreditado, insubmisso, intruso e antipatriota. “O Profeta não tem sucesso em sua missão ele é, geralmente, um fracassado! Ele não tem ilusões e não espera do povo, do rei ou de quem quer que seja um gesto de apoio” (NEGRO, 2009).
O profeta é quase sempre um rejeitado, uma imagem retomada por Jesus Cristo no Novo Testamento.
2.3 A legitimidade do profeta
Os profetas, e não diferente no Judaísmo, tiveram como prerrogativa história de estabelecerem a ponte entre o homem “comum” e o ser supremo. Os profetas são constituídos pela divindade como um meio para os mistérios metafísicos possam ser decifrados e compreendidos.
De certa forma, os mistérios metafísicos acabam explicando ou dando um sentido a vida. Por exemplo, um rei antes de sair à guerra ele consulta os seus oráculos, que confirma ou não o sucesso da estratégia e que tipo de ritual ou sacrifício aquele líder deveria fazer para galgar a vitória.
O que legitimava a palavra do profeta era o acerto de seus prognósticos, que o tornava, diante dos olhos do povo, um representante do ser supremo. Além disso, no profetismo Judaico, que diferencia de outros movimentos e legitima a fala do profeta veterotestamentário, e o seu padrão moral e ético.
A forma de viver e de se relacionar com Deus e suas Leis balizavam as palavras do profeta. Nas raras uniões entre o Reino do Norte (Israel) e o Reino do Sul (Judá), pode ser percebido que esse patrão determinou a desconfiança de 400 profetas (1 Rs. 22:8).
Na ocasião, Acabe, rei de Israel, convidou Jeosafá, rei de Judá, para uma campanha militar contra os sírios para recuperar Ramote-Gileade. Antes de confirmar o apoio, o líder do Sul pediu que houvesse uma consulta a Deus. Os 400 profetas de Acabe garantiram que Iavé entregaria a cidade na mão do rei.
Entretanto, Jeosafá conhecia a reputação de Acabe e sua esposa estrangeira Jezabel, que afundou as dez tribos na idolatria e depravação moral. Parece que o único profeta que sobrou fora Micaías, que não gozava do prestigio do rei.
Mesmo sob forte ameaça dos 400, na presença dos reis, Micaías predisse a ruína se fossem pelejar contra os sírios. Acabe ordenou então que Micaías fosse posto na casa de detenção, onde o profeta seria alimentado com uma ração reduzida de pão e água até que o rei retornasse em paz. Todavia, Acabe nunca retornou, porque, durante a batalha em Ramote-Gileade, “havia um homem que entesou o arco na sua inocência”, a flecha atingiu o rei de Israel e ele morreu aos poucos. As últimas palavras de Micaías a Acabe tinham sido: “Se de fato voltares em paz, Jeová não falou comigo.” (1Reis: 22,18-37; 2Crônicas: 18,17-34).
De acordo com Francisco Caramelo (2015), a legalidade do profetismo acaba o colocando como uma vertente da religião, ou seja, o movimento não é um braço do judaísmo, mas anda junto ao exercício da religiosidade.
É como se o profeta, como já citado neste trabalho, fosse um ombudsman da religião julgando assertivo ou não as práticas de todo o povo, contornando o carácter ritualizado, sistemático e hermético do culto (MANDER e DURAND, 1995, apud, CARAMELO, 2015). No entanto, isso não colocava o profeta as margens da religião, porque, se não estivesse conforme o patrão da Torá suas palavras perderiam à validade – visto o caso citado entre Micaías e os demais profetas do reino do Norte.
A tradição bíblica empenhou-se, aliás, em traduzir a ideia de que o profeta atuava à margem do culto e da religião oficial, afirmando-o, desse modo, como o verdadeiro e legítimo porta-voz da palavra de Iavé. (DURAND, 1988, apud, CARAMELO, 2015). A divindade fazia chegar ao destinatário mensagens cujo conteúdo manifestava, do ponto de vista teológico, a vontade divina, mas que refletia também os interesses do templo, dando-lhes voz e procurando assegurar o seu prestígio, bem como a sua importância social e política junto do poder (CARAMELO, 2015).
O profeta não era um “funcionário do templo”, mas fazia parte da vida religiosa. Caramelo (2015), no artigo Algumas reflexões teoréticas sobre o profetismo, salienta que as duas realidades não eram, de todo, contraditórias, pois “o templo, para além de centro de produção teológica, era igualmente a morada terrena de Deus”. Ele afirma que o profeta não é, por conseguinte, na cultura semítica, alguém isolado e marginal ao sistema religioso. “Pelo contrário, é alguém que age dentro dele, ainda que produzindo mensagens que contrariam o discurso religioso oficial”.
O profetismo Bíblico é um fenômeno de comunicação entre o divino e o humano e, por isso, ganhará notoriedade em momentos de crise espiritual, moral ou geopolítica. O profetismo judaico se torna único e incomparável na história porque seus oráculos ultrapassam as sentenças de vitória, felicidade e superação da adversidade.
No modelo veterotestamentário, o profetismo ganha força principalmente com a corrupção dos sacerdotes e o fracasso político dos reis. “A profecia bíblica é regulada por uma lógica diametralmente oposta e que se traduz no chamado oráculo de desgraça”, analisa Caramelo (2015).
No discurso, o profeta anuncia à assunção próxima de tempos difíceis e mostra que as dificuldades são resultados do distanciamento do povo ou do monarca das ordenanças divinas. Esse respaldo nas Escrituras sustentava e autentificava a mensagem profética, porque, no Judaísmo, as leis e mandamentos estavam acima decretos governamentais, costumes regionais ou interesses pessoais.
Ainda, no discurso do profetismo, havia a projeção para um tempo mais longínquo a renovação da aliança. Essa mensagem que promovia a esperança no futuro trazia como ponto central a promessa de um remissor e restaurador, que, para o Cristão, se deu por meio de Jesus Cristo.
Deve-se, compreender que da mesma forma que o conhecimento que temos do profetismo mesopotâmico deriva das compilações que chegaram até nós, também a visão que temos do profetismo bíblico está muito dependente do processo de formação do próprio texto que o documenta e das revisões a que foi submetido ao longo de séculos de recepção. As narrativas proféticas vetero-testamentárias reflectem, pois, uma visão histórica e teológica que influencia claramente a sua construção literária. (CARAMELO, 2015)
Continua na próxima semana…..
Leia mais: https://assembleiabelem.com/profetismo-veterotestamentario-como-reacao-a-crise-social-parte-ii/
SILVA, Esdras Domingos da. Profetismo veterotestamentário como reação à crise social. 2018-2019. 51 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de Teologia – Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson (Unar), Araras (SP), 2019.
O Autor:
Esdras Domingos da Silva é casado e presbítero da Assembleia de Deus – Belém – Campo de Limeira, em Artur Nogueira. Ele é jornalista, bacharel em teologia pelo CETAD e UNAR e especializado em gestão ambiental pela Faculdade Anhanguera. Esdras é um dos responsáveis pelo site da IEAD Belém e professor no CETAD.