22 set 2019 Esdras CETAD, DESTAQUE (notícias em destaque), Estudo Bíblico, Notícias
2.4 – A literatura profética
Para teologia, uma das revelações de Deus à humanidade são as Sagradas Escrituras (Bíblia). Para elaboração deste trabalho, a ênfase é o Antigo Testamento, que tem como foco surgimento de Israel.
O Antigo Testamento é formado por 39 livros, divididos em Pentateuco (5), Livros Históricos (12), Livros Poéticos (5) e Livros Poéticos (17). Para esta pesquisa está sendo usada a classificação dos textos feita no Canon Massorético (500 – 950 d.C) e ratificada na Reforma Protestante (1.519) e na Confissão de Fé de Westminster (1.643 – 1.646).
Os livros proféticos, para melhor compreensão, são dividos em profetas maiores (Isaías, Jeremias, Lamentações, Ezequiel e Daniel) e menores (Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias). Essa designação de Maiores e Menores foi dada por Agostinho no princípio do século IV d.C e se deve a sua extensão e importância.
Os escritores desses livros, considerados profetas, se preocuparam em registrar por escrito suas exortações, admoestações, consolações e previsões futuras. Eles tinha estilos próprios, pois eram homens que viveram em épocas diversas, provenientes de várias estirpes, com cultura e poder econômicos diferente.
Segundo CARAMELO (2015) profetismo Judaico, como fenômeno, não pode ser desvinculado do texto, que permite sua fixação de espaço histórico e literário. O pesquisador concorda que os textos proféticos da Bíblia possuem um sistema de redação mais complexo e elaborado comparado as narrativas dos textos proféticos mesopotâmico.
O sentido da profecia bíblica e o seu conteúdo teológico implicam a consciência histórica do passado de Israel e a sua interpretação, dependendo, porventura, muito mais do texto do que do oráculo que está na sua origem (CARAMELO, 2015).
Uma particularidade que a literatura profética foi associada a um caráter de previsão do futuro e seu consequente cumprimento (MILHORANZA, 2012). Por isso, os textos dos profetas servem como um atestado e garantia da fidelidade de Deus ao seu povo.
Quando os Medo-Persas conquistaram a Babilônia, os Judeus cativos reclamaram o retorno à pátria usando um texto escrito por Isaías, a cerca de 150 anos antes de Ciro nascer (Isaías: 44,28). Daniel questiona Deus pelo fim da opressão do povo Judeu cativo no império Babilônico, tendo como base a predição de Jeremias, que o cativeiro duraria 70 anos (Daniel: 9,2).
Dentre as literaturas que trata do profetismo na antiguidade, a Bíblia será o livro que mais enfatizará o profeta como uma ponte na comunicação entre Deus e o homem. As revelações futurísticas registradas abalizam que somente um Ser Supremo poderia dar ao homem condições para ter tamanha riqueza de detalhes.
O pesquisador Esdras Costa (2010) salienta que os livros proféticos, não são necessários apenas uma empatia existencial entre o texto e o leitor, como deseja a nova hermenêutica, “mas uma introspecção com o ambiente histórico-cultural do autor”.
A heterogeneidade que o fenómeno da comunicação entre o divino e o humano apresenta, visível na coexistência de várias práticas, é também observável na diversidade de agentes proféticos que encontramos em Mari e na Assíria e cujos vestígios estão também presentes no Antigo Testamento. A Bíblia acabará, no entanto, por impor uma visão tendencialmente uniforme em que a profecia surge como a forma reconhecida de comunicação divina e o profeta ( ) como o agente e intermediário legítimo dessa comunicação, excluindo, desse modo, outros especialistas e particularmente outras categorias de profetas cuja existência todavia admite. (CARAMELO, 2015)
Caramelo (2015) lembra que o conceito de profeta elaborado pelo modelo judaico-cristão passa pelas revisões literárias, principalmente no período helenista, que deram origem à Bíblia. O pesquisador fornece uma comparação do texto bíblico com a literatura que apresenta profeta extra bíblico.
Conforme exposto por ele, os textos mesopotâmicos, descobertos no século passado, elucidaram as origens do profetismo e sobre o estatuto do profeta. Caramelo (2015) explica que um dos atributos que caracterizam o profeta, de acordo com literatura, é a presença de uma “certa forma de loucura”, de “extravagância comportamental”, que o distingue da normalidade social.
No profetismo de Mari, uma das categorias proféticas é precisamente o muhhûm, cujo significado aponta para a área semântica da loucura. De fato, o profeta mesopotâmico apresenta um comportamento marcado por uma certa imprevisibilidade, por algumas atitudes inusitadas, sobretudo no contexto de processos extáticos. O profeta bíblico sugere, nalguns casos, vestígios deste comportamento excêntrico. (CARAMELO, 2015)
Entretanto, a narrativa Bíblica apresenta um profetismo mais racionalizado, inclusive sendo premiado por intelectuais (Profetas Maiores) e de distinta posição na corte e no sacerdócio (as poucas informações encontradas de Habacuque, o coloca como um Levita). “A literatura profética vetero-testamentária apresenta um profeta que é em grande medida uma figura que, partindo da sua historicidade, é ampliada literariamente de acordo com a revisão teológica pós-exílica”, (CARAMELO, 2015).
Para Caramelo (2015), a grande dificuldade que se coloca à análise do profetismo, tanto o mesopotâmico como o bíblico, própria de qualquer análise histórica, é a divergência entre a sua fenomenologia e a sua representação, isto é, o texto e a literatura que o documentam.
Se no profetismo mesopotâmico, a fixação do oráculo constituiu um processo de alcance pouco elaborado, na Bíblia desenvolve-se toda uma literatura que explora um perfil ideal do profeta, exaltando o que considera ser o seu papel social, religioso e até político, legitimado pela sua vocação e nalguns casos até pela sua predestinação (CARAMELO, 2015).
Esta caracterização, que certamente vai sendo desenvolvida durante o processo de formação e de fixação do texto bíblico, forjará o conceito judaico-cristão de profeta.
2.5 – De excêntrico a guardião da lei
O afresco “O profeta Isaías”, na igreja Sant’Agostinho, em Roma, do pintor renascentista Rapahel (Rafaello Sanzio da Urbino), reforça a máxima: “Se você sofre com a desobediência do povo de Deus – chore ao lado de Jeremias. Se precisares decidir entre adorar a Deus ou ao ídolo do rei – aprenda com Daniel. Se precisares de purificação apresente a língua a Isaías” (COSTA, 2010).
Os profetas eram considerados “estranhos”, a começar pela mensagem que recebiam de Deus. Ezequiel, durante seu estado de transe, tinha visões que incluíam criaturas de quatro faces com mãos e asas humanas. Em outra ocasião ele teve uma visão que cozinhava a sua comida com excremento humano.
O profeta Isaías foi instruído pelo Todo Poderoso a despir-se e passear por Jerusalém nu e descalço. Ousadia foi Habacuque, que por muitas vezes questionou o que Deus pensava. Jeremias disse que recebeu ordens para comprar um cinto de linho para colocar sobre os lombos.
Caramelo (2015) argumenta que é possível que este carácter excêntrico do profeta mesopotâmico se traduzisse numa certa marginalização social do extático, ainda que fizesse parte do sistema religioso dominante. O autor fala que o Antigo Testamento enaltece o profeta que age sozinho e faz dele não o portador de uma simples mensagem divina ou de um oráculo único.
[… ] mas alguém que transporta com ele e reflete na sua ação e no seu discurso todo um elaborado pensamento teológico e princípios de uma desejada reforma social e religiosa, consentâneos com os ideais de um judaísmo emergente, o qual entretanto perde as características de uma religião nacional (CARAMELO, 2015).
Capítulo III – O Profetismo e o Estado
Os pesquisadores usados para confeccionar esta pesquisa apontam que o primeiro profeta Bíblico é Abraão (Gn 20,7). Porém, o movimento profético, conhecido como profetismo veterotestamentário, surgiu com o profeta Samuel (1 Samuel: 3,1-21).
Samuel foi responsável pela transição do período teocrático, narrado nos livros de Josué, Juízes e Rute, para a monarquia. Vale lembrar que ele ungiu os dois primeiros reis de Israel: Saul e Davi.
O profetismo em Israel surgi no século 10 a.C com a introdução política de uma Família Real. No último livro do Pentateuco, Moisés instruiu que quando o povo tivesse entrado na terra prometida – Canaã, tomado posse dela e se assentado nela, e quisesse um rei, isso seria permitido (Deuteronômio: 17, 14-20) – texto conhecido como a “lei do rei”.
Devido a instabilidade política no século 11 a.C, as ameaças dos Filisteus, Amonitas, Amaquelitas, Árabes e outros, Israel vê a necessidade de uma unidade nacional. O modelo de Juízes, por quase 350 anos, intercalou períodos de paz e opressão sobre as tribos israelitas.
Provavelmente, o auge da crise se deu quando morre os principais sacerdotes de Israel (Eli e seus filhos, Ofini e Foneias) e a arca do concerta é levada pelos filisteus (1 Samuel: 4,7). No entanto, a constituição da monarquia não teve um caráter religioso ou natural, como no Egito e Mesopotâmia.
A monarquia entre os Judeus foi uma imposição popular, cancelada pelo Todo Poderoso: “Constituí-nos, pois, agora, um rei sobre nós, para nos julgar, como em todas as nações” (1 Samuel: 8,5). Como já dito, como a Samuel fazer a transição para esse novo período político.
Os profetas, além de ser um porta-voz de Deus para nação, são consultores políticos dos monarcas e possuem acesso irrestrito ao Rei. O profetismo está ligado diretamente com a política – regime Monárquico.
O fim da monarquia em Israel no século VI a.C, marca também o fim auge desse movimento. É evidente que durante o cativeiro Babilônico e pós-exílio os profetas continuam atuando, mas não com a mesma ênfase durante o governo dos reis israelitas.
Peterlevitz (2008), em artigo publico na Revista Theos, explica para ler os profetas é necessário compreender a organização do Estado monárquico de Israel. “Assim, estudos recentes sobre a profecia evidenciaram que a raiz da profecia não está na estrutura secundária do estado (do templo, da reflexão teológica, da intelectualidade), mas nas estruturas primárias do clã, da vida israelita” (SCHWANTES, 1982, apud, PETERLEVITZ, 2008).
3.1 – O profeta e o rei
A história política do antigo Israel é impossível imaginá-la a figura de um rei sem o seu profeta ou profetas. Como analisado nesta pesquisa, vivem no mundo da profecia onde falam, ousadamente, em nome de Deus e se colocam como mensageiros.
Conforme demonstrado nos capítulos I e II desta pesquisa, os profetas contemplam cenas e testemunham atividades nas regiões celestiais, tais como a entronização de Deus e o testemunho desta soberania pelos seres celestiais (1 Reis 22 e Isaías 6). Eles recebem ordens diretamente de Deus e são informados sobre os propósitos imediatos e futuros de Deus para seus contemporâneos e demais povos.
Porém, os profetas Bíblicos não estão em uma redoma, caverna, casa no meio da mata ou numa espécie de “Olimpo”, mas convivem com as pessoas e, por causa disso, são influenciados pelo cotidiano e inseridos no tempo histórico-cultural de seus dias. Ainda que sejam portadores de uma mensagem recebida diretamente da parte de Deus, sua concepção de mundo e sua língua, bem como a maneira de falar e de atuar, suas concepções da política interna e externa são resultantes da realidade em que estão atuando.
Em Israel, o profeta atuava principalmente, em tempos de crises, independente se fosse religiosa (oficialização do culto a Baal – deus Cananeu), política (ameaças da Assíria e Babilônia) ou identidade (pós-exílio). Percebe-se, mesmo a crise religiosa e de identidade está ligada com a gestão governamental, porque, como falará Salomão:
Quando os justos se engrandecem, o povo se alegra, mas quando o ímpio domina, o povo geme.
O homem que ama a sabedoria alegra a seu pai, mas o companheiro de prostitutas desperdiça os bens.
O rei com juízo sustém a terra, mas o amigo de peitas a transtorna. (Provérbios: 29, 2-4)
Para Milton Schwantes (1982, apud, PETERLEVITZ, 2008) “a questão dos profetas é o reinado; no Estado está o foco de atritos”. O motivo é que os reis abandonaram os princípios estabelecidos na Torá e se envolveram com a idolatria e fizeram alianças com povos que opunham historicamente aos planos de Deus. Peterlevitz (2008) acrescenta que esses reis “aliaram-se a uma ideologia opressora dos pobres desprestigiados da sociedade. Corroborou-se assim com a injustiça social”.
A resposta às crises religiosas, políticas e de identidade foi o profetismo. O escritor Milton Schwantes (1982) aponta, pelo menos três características, que ajudam a entender a relação profeta e estado:
No Profetismo em Israel, a função primordial dos profetas é ser “conselheiros dos reis”. Eles possuíam mensagens proféticas para o povo, mas a maior parte das evidências indica que aconselhavam os reis, “ajudando-os a discernir a vontade de Deus, incentivando-os a andar no caminho de Javé, com maior frequência, censurando-os por falharem neste aspecto”, explica Ivan Pereira Guedes (2016).
3.2 – A consciência política
Como já explanado neste trabalho, o profeta bíblico reconhece que os acontecimentos históricos fazem parte da revelação de Deus ao seu povo. Em suas descrições, o profeta narra Javé com a mão na história, conduzindo Israel a um propósito maior: receber o ungido.
Porém, em suas atribuições, o profeta caminhava além da interpretação dos acontecimentos. Joaquim Beato (1962) lembra que o profeta se dispunha “a imiscuir-se até mesmo na política”, não só por palavras, mas pela ação.
O profetismo andou sempre ao lado da política em Israel e a primeira referência são as investidas dos Filisteus – ato que impulsionou a instauração da monarquia. “Bandos de profetas, com os quais Saul encontraria no dia de sua escolha (l Samuel 10: 5-13), empenhavam-se em despertar o fervor patriótico do povo e incitá-lo a empenhar-se numa guerra santa contra os filisteus” (BEATO, 1962).
Israel, na instalação da monarquia e o aparecimento do movimento profético, era uma confederação de doze tribos. Elas eram livres e possuíam em comum o local para adoração a Deus, onde a arca da aliança repousava – em Siló. O profetismo surge quando Israel passa por uma crise por não saber como enfrentar os Filisteus. As tribos perceberam que as estratégias usadas contra as tribos do deserto ao sul e da Transjordânia, e de príncipes canaanitas, não eram mais suficientes.
O teste final da confederação de tribos foi a invasão dos filisteus. Estes eram parte do que os egípcios denominavam “povos do mar”. Vinham das ilhas do Mar Egeu. Inundaram a Grécia e destruíram na Ásia Menor, o Império Hitita; atacaram o Egito, pela Líbia e por mar. Repelidos, um grupo deles, conhecido como “filisteus”, enquistou-se no litoral sul de Canaã, pouco depois de 1.200 A.C. de onde começou a tentar conquistar a terra (BEATO, 1962).
Além dos Filisteus dominarem o litoral Sul, acesso direto de Israel ao mar, eles possuíam o monopólio do ferro, principalmente na fabricação de armas de guerra. Isso aumentava, consideravelmente, a supremacia militar do povo da Filisteia (1 Samuel: 13,19-22).
Para acirrar os ânimos e a movimentação política para instalação da monarquia, dá-se os três anos de fracassos dos juízes, que não conseguiram promover a unidade das tribos e uma coerência religiosa. Por certo, o ápice da necessidade de um rei veio com a derrocada de Israel para os Filisteus, em 1 Samuel: 4. Na trágica ocasião, dois sacerdotes morreram no front, a arca da aliança foi levada pelo inimigo e o sumo sacerdote faleceu quando recebeu a notícia desses acontecimentos.
A antiga estrutura simples da federação de tribos livres deu lugar a uma forma de governo mais centralizada e a liderança passou dos carismáticos para uma dinastia, ficando com o profeta a função de porta-voz daquelas coisas da antiga ordem carismática que deviam ser preservadas em a nova, para conservação do caráter específico de Israel como povo de Yahweh (BEATO, 1962).
Porém, como instituir um homem-rei em Israel se a ideia que havia entre o povo, expressada por Gideão, que Deus era o rei de Israel: “Porém Gideão lhes disse: Sobre vós eu não dominarei, nem tampouco meu filho sobre vós dominará; o Senhor sobre vós dominará” (Juízes: 8,23). O um homem assumindo a posição de rei só seria aceito como ungido de Iavé se houvesse uma mediação profética.
O profeta veterotestamentário, conforme descrito neste trabalho, é o porta voz de Deus e guardião dos mandamentos. Coube a ele, no caso Samuel, instituir a Monarquia. O primeiro rei, Saul, não obteve muitos sucessos no confronto com os Filisteus e a unidade das tribos. Vale lembrar que ele morreu durante uma batalha com o exército da Filisteia no Monte Gilboa, junto a Betsehem, no vale do Jordão.
Porém, o segundo Rei (Davi), intermediado pelo profeta Samuel, submeteu os Filisteus, estabeleceu um governo forte e centralizador, unificou as tribos. Israel também venceu outros iminigos tradicionais, como arameus, amonitas, moabitas, edomitas e amalequitas. “Pela primeira vez, a Palestina foi unificada, e os israelitas passaram a desfrutar um nível mais alto de vida propiciado pela revolução econômica resultante da introdução do ferro no uso popular” (BEATO, 1962).
A partir de então, os profetas vão ganhando um protagonista, de intermediário, entre Deus e o rei, e conselheiro político. Entre os nomes destacados no profetismo Judaico aparecem Natã, que auxiliou a transição de governo de Davi para Salomão e manteve a dinastia davídica (1 Reis: 1; 2). Durante o reinado de Salomão, que passou por uma forte crise devido à alta carga tributária, as ações do profeta Aia, o silonita, o Deus de Israel se fez conhecido nos acontecimentos políticos (1Reis: 5,13-18).
Na monarquia dividida, em 922 a.C, os protagonistas pelas dez tribos do Norte (que continuaram sendo chamadas de Israel) foram Elias e Eliseu. O primeiro apareceu na crise religiosa, política e econômica no reinado de Acabe. Já Eliseu combateu, principalmente, a dinastia onrita (1Reis: 19,15-17; 2 Reis: 8,7-15; 2 Reis: 9,10).
Os reis que governaram o Norte levaram as dez tribos ao colapso e serem subjugadas pela Assíria. Os profetas denunciaram, inclusive usando vivências pessoais, como o profeta Oséias.
Pelas duas tribos do Sul, denominadas Judá, o destaque é Isaías, porque diversas ocasiões, teve de aconselhar reis quanto ao curso que devia ser dado à política internacional do reino. De acordo com Beato (1962), a primeira interferência foi a crise siro-efraimita. Em 738 a.C. Menaém, rei de Israel, e Rezim, rei de Damasco, pagaram tributo à Tiglate-Pileser, rei assírio, reconhecendo sua soberania. Mas essa capitulação, embora tivesse firmado nas mãos de Menaém e de seu filho Pecaias, o trono de Israel, era grandemente impopular, e isto devido ao fato de que o tributo era levantado por meio de pesados impostos sobre os ricos.
Esta impopularidade da política de Menaém e de seu filho facilitou a revolução chefiada por Pecá, que assassinou Pecaias em 737 a.C. Pouco depois, enquanto a Assíria estava envolvida com inimigos do Norte, Pecá e Rezim de Damasco tentaram formar uma coligação antiassíria nos moldes de uma que fôra bem sucedida no século anterior, e que enfrentara Salmanasar III, em 853 A.C., em Qargar, com bom êxito. Pecá e Rezim, em 733-732 investiram contra Jerusalém, ou para forçarem Acaz, rei de Judá, a entrar na aliança, ou para colocarem um títere em seu lugar (Isaías: 7,6). (BEATO, 1962).
A situação ficou tão tensa, que o medo provocado (Isaías: 7,2) fez com que o rei aderisse um rito pagão e queimasse seu filho em sacrifício (2 Reis: 16,3). Diante de tal crise, Acaz vislumbrava a derrota diante dos invasores ou um pedido de socorro a uma grande potência. “Isso o levava a inspecionar o suprimento d’água da cidade, essencial no caso de Jerusalém ter de resistir a um assédio, a um cerco militar”, esclarece BEATO (1962).
Diante dessa crise, o profeta Isaías traz uma mensagem divina, em que, o rei deveria abandonar alianças humanas e depositar inteira confiança em Yahweh (Isaías: 3,9), atitude conhecida de “Teopolítica”. “Sua aceitação cancelaria o plano de Acaz de apelar para a Assíria em favor de Judá. Yahweh subverteria a aliança siro-efraimita. Acaz, porém não podia crer nisso. Apelou para Tiglate-Pileser, com imensos prejuízos para Judá (2 Reis: 16,7-13; Sofonias: 1,45; Ezequiel: 8,15-16; Jeremias: 44,15-20”, salienta BEATO (1962).
É evidente que outros profetas tiveram participação ativa na vida política de Israel. O destaque a esses serve como exemplo o profeta é, antes de tudo, um intérprete do presente, da história contemporânea, que ele e ouvintes estão vivendo.
3.3 – As crises sociais e o enfrentamento profético
Um dos pontos que mais diferenciam o profetismo judaico das outras culturas é o enfrentamento as crises sociais, geradas por problemas políticos e religiosos. Como já analisado neste trabalho, o movimento profético judaico não apenas faz previsões, mas promove uma análise das conjunturas daqueles dias.
Israel, como sociedade, passa por mudanças cruciais em seu sistema de vida, o que trouxe várias consequências históricas. Ao sair da escravidão egípcia, por cerca de quatro séculos, os Hebreus se tornam nômades ou seminômades. Nesse período, o sustento principal dependia dos rebanhos e da porção enviada por Deus – Maná (Êxodo: 16,4-31). Uma característica relevante dessa comunidade pastoril apontado por BEATO (1962) era a “consciência de família”, “o laço de parentesco, o senso de fraternidade que governava a maior parte das atividades do grupo social”.
Ao possuir Canaã, Israel passou a ser uma sociedade agrícola sedentária e a ênfase passou a ser na localidade, na vila, e não no clã, como ponta de aglutinação e de unidade. Nesse momento, surge o conceito de propriedade, bem e imóvel. “Ao assimilar esse conceito, Israel modificou-o para harmonizá-lo com sua fé, transformando a propriedade de terra em usufruto apenas, sem direito de alienação (Levítico: 25,8-25; Deuteronômio: 5:1-3)”, analisa BEATO (1962). Nesse caso, a propriedade não era privada, mas pertencia ao clã.
Mas com o crescimento da população e a inclusão do Estado Monárquico, Israel passa a ter uma sociedade urbana comercial. Evidente que essa alteração na vida social aumentou as complexidades e tensões.
Esse tipo de sociedade urbana e comercial fez um grande impacto sobre os israelitas no reinado de Davi. Os fatores que contribuíram para tanto foram a conquista das restantes cidades canaanitas e sua assimilação por Israel, inclusive com seus costumes estabelecidos; o estabelecimento que, de uma capital que com sua corte e forças militares, não podia ser sustentada pelo solo imediatamente vizinho, mas dependia do superávit econômico de toda a terra; e o começo, no reinado de Davi, de relações comerciais internacionais em alta escala com os Fenícios, ou seja, os canaanitas do norte. (BEATO, 1962)
Essas mudanças no estilo de vida trouxeram vários dilemas sociais, muito bem retratados por duas mães que disputam um filho (I Reis.3,16-28). Uma delas matou, acidentalmente o filho durante a noite e trocou o bebê morto por outro, de uma outra mulher vivo. A situação emblemática teve que ser resolvida pelo sábio Rei Salomão.
Porém, foi no reinado de Salomão, no século dez a.C que as crises se acentuaram devido aos pesados impostos, o trabalho forçado e o despotismo, “que se manifestava num tipo de capitalismo de Estado, acabaram com a liberdade dos súditos, fazendo-os escravos do rei, e transformando a propriedade deles em propriedade do monarca, ou seja, do Estado”, observada BEATO (1962).
A importação de grande quantidade de ouro e prata provocou uma repentina inflação. Os cidadãos eram forçados a hipotecar suas terras, suas pessoas e seus filhos, para atender às exigências dos impostos. Os juros eram altos, e muitos israelitas livres perderam as terras e se tornaram escravos; enquanto outros que tinham tido alguma vantagem inicial, amontoavam terras e dinheiro. A fraternidade dos tempos do deserto desapareceu para sempre, dando lugar à permanente separação entre os poderosos e os oprimidos; os ricos e os pobres. A riqueza e o poder tornando-se a meta dos esforços do indivíduo, a pobreza, a injustiça e a luta de classes se estabeleceram para sempre na sociedade israelita. (BEATO,1962).
Devido a essa situação, a crise traz a dinastia davídica a falta de governabilidade, e com o neto de Davi, o rei Reoboão, o reino se dividia. O cisma criou duas nações dentro de uma piorou as crises sociais, que, tinham reflexos políticos e religiosos.
No século 8 a.C inicia o desmonte do estado monárquico Judeu, sendo as dez tribos do Norte conquistadas e espalhadas por outras terras pelos Assírios. Dois séculos depois seria a vez do Sul não suportar as investidas dos Babilônicos e ver a monarquia e a sociedade judaica se ruir e acabar com os muros e o Templo de Jerusalém – ambos queimados.
Continua na próxima semana…..
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SILVA, Esdras Domingos da. Profetismo veterotestamentário como reação à crise social. 2018-2019. 51 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de Teologia – Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson (Unar), Araras (SP), 2019.
O Autor:
Esdras Domingos da Silva é casado e presbítero da Assembleia de Deus – Belém – Campo de Limeira, em Artur Nogueira. Ele é jornalista, bacharel em teologia pelo CETAD e UNAR e especializado em gestão ambiental pela Faculdade Anhanguera. Esdras é um dos responsáveis pelo site da IEAD Belém e professor no CETAD.