29 maio 2020 Esdras DESTAQUE (notícias em destaque), Estudo Bíblico, Notícias
Apologética\Esdras D. da Silva
Seguindo determinações governamentais e de entidade sanitaristas, fazem mais de dois meses (cerca de 70 dias) que os cultos e atividades religiosas foram cancelados. Nem os fiéis mais experientes ou fervorosos, imaginariam um período tão estendido sem celebrações.
Para evitar a proliferação e contaminação do Covid 19 (Coronavírus), os cultos foram suspensos para que não houvesse aglomerações. Termos, como, quarentena e isolamento social, passaram a fazer parte do dia a dia, além do uso de máscara e álcool em gel.
As igrejas se adaptaram, com reuniões de oração e atendimento pastoral para quem precisasse de auxílio. Nesse tempo, campanhas de súplicas, lives e cultos virtuais acabaram sendo incorporados as rotinas diárias. Nem o crente (no sentido de crer), mais apocalíptico, não imaginava participar de uma Santa Ceia virtual.
Nesse contexto, com o distanciamento social, somos compelidos a nos reinventarmos diariamente. Porém, esse novo rearranjo se faz em um momento de desestruturação do mundo.
As dificuldades de adaptação se dão, porque, de acordo com Peter Berger (1973), o Ser humano, precisa de um mundo socialmente ordenado – “a constante possibilidade do terror anômico torna-se atual sempre que as legitimações que obscurecem esta precariedade são ameaçadas ou entram em colapso”. Mas, as estruturas sociais foram abaladas em decorrência aos problemas de saúde, mortandade, crise financeira e instabilidade social.
Esse deveria ser um momento de fé e mergulho interior. No entanto, o pastor e escritor Renato Vargens (2020), observou que o confinamento tem proporcionado aos cristãos alguns sentimentos e atitudes absolutamente antagônicos àquilo que é ensinado pelas Escrituras.
Corroborando com o pastor, esse isolamento social vem impactando a espiritualidade cristã.
O pastor Renato afirma que o isolamento social tem esfriado a fé dos cristãos. É normal que, em tempos de crises, as pessoas se sentem fragilizadas, impotentes, desanimadas e tomadas de um sentimento de fraqueza (Salmo: 22,1). O primeiro sentimento é o abandono de Deus diante das mazelas humanas ao ver a vulnerabilidade e a impossibilidade de uma solução plausível.
O isolamento social, segundo o pastor Renato, tem tornando os cristãos mais egoístas. A pandemia expôs a fragilidade da economia mundial e, como efeito cascata, provocará uma recessão como nunca vista na história. Esse receio tornou alguns discípulos menos solidários aos projetos das igrejas, da assistência social das entidades religiosas e as frentes missionárias. Uma pena não termos seguido o exemplo da Igreja da Macedônia, que em suas escassezes de recursos não perdeu a prática da generosidade (2 Coríntios: 2,2-5).
Para o pastor, o isolamento social tem tornado os cristãos mais solitários e menos solidários. “Impressiona a quantidade de pessoas indispostas a ajudar o próximo. Na verdade, muitos com medo do que virá pela frente tornaram-se solitários, individualistas sendo incapazes de dividir o pão, socorrer o mais pobre, simplesmente pelo fato de que o medo o impôs sobre suas vidas a necessidade de construir uma bolha marcada e caracterizada pela preocupação exagerada consigo mesmo”.
O efeito do isolamento social tem tornado os cristãos mais pessimistas, segundo Vargens. Ao escrever aos Efésios, o Apóstolo Paulo lembra que a falta de perspectiva do futuro gera tristeza e ansiedade exacerbada. Ela anula as potencialidades da fé e a motivação para seguir em frente.
O isolamento social trouxe a impressão de “férias” das atividades religiosas. Uma boa parte daqueles que frequentam a igreja não é público de risco, entretanto, nunca apareceu nas reuniões de orações ou nas lives de promoção da comunhão. Alguns obreiros e líderes esqueceram-se dos seus liderados ou do ministério que foram vocacionados.
O impacto do isolamento social revelou a pobreza do nosso conhecimento bíblico. Surgiram inúmeras falsas e fantasiosas interpretações teológicas e religiosas a respeito da gravidade da pandemia, do juízo divino e da vinda do Messias.
Por fim, o impacto social do isolamento, mostrou a dicotomia entre fé e capitalismo. Nessa quarentena tivemos que parar de olhar mais para os outros e voltarmos a nós e percebemos que o ser (quem sou? – uma questão da fé), sobrepõe ao que tenho – uma ordem de natureza capitalista.
A pandemia apontou que somos vazios de humanidade e estávamos cheios frivolidades. “Quando a experiência social muda, também é necessário que os sujeitos modifiquem sua maneira de existir. Em ‘isolamento’ percebemos a importância da ‘aproximação’. Temos ferramentas tecnológicas que prometem criar ‘redes sociais’ e que são exaltadas por nós – às vezes incentivados pelo capitalismo –, mas agora são reveladas aos nossos olhos como frias e puramente ‘virtuais’”, observou Daniel Couto (2020).
É tempo de olhar para Jesus Cristo, o nosso Senhor, voltarmos à prática do Evangelho e nos colocarmos à disposição do Reino de Deus. As quarentenas, isolamentos e pandemias vêm e vão e, para aqueles que passarão, deverá ficar o aprendizado.
Teria mais coisas para falar, porém vou parar por aqui, lembrando de um trecho de um dos textos de Vladimir Nabokov ( Contos reunidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013, p. 786).
“Eles passavam em multidões, olhando para o céu. Seus olhos eram como abismos jubilantes, e nesses olhos vi a síncopa do voo. Vinham com passo deslizante, cobertos de flores (…). Eu, um mendigo cego e trêmulo, parado à beira da estrada, e dentro da minha alma de mendigo a mesma ideia continuava repetindo: grite para eles, conte – oh , conte que na mais esplêndida das estrelas de Deus existe uma terra – que está morrendo em agonizante escuridão”
Referências
BERGER, Peter L. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 141.
______________. Rumor de anjos. A sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 66.
COUTO, Daniel. O isolamento: dicotomia entre a fé e o capitalismo. Artigo publicado em 27 de março de 2020. Disponível em https://domtotal.com/noticia/1432410/2020/03/o-isolamento-dicotomia-entre-a-fe-e-o-capitalismo/ Acessado no dia 29 de abril de 2020.
VARGENS, Renato. 05 Coisas que o confinamento não deveriam fazer a um cristão. Publicado em 20 de maio de 2020. Disponível em <http://renatovargens.blogspot.com/2020/05/05-coisas-que-o-coronavirus-nao-deve.html> Acessado no dia 23 de maio de 2020.
Vladimir Nabokov. Contos reunidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013, p. 786.
Sobre o autor:
Esdras Domingos da Silva é presbítero da Assembleia de Deus – Belém – Campo de Limeira, em Artur Nogueira. Ele é jornalista, bacharel em teologia pelo CETAD e UNAR, especializado em gestão ambiental pela Faculdade Anhanguera e graduando em pedagogia. Esdras é um dos responsáveis pelo site da IEAD Belém e professor do CETAD.
Imagem destaque\reprodução: https://www.cultural.org.br/vocabulario-para-quarentena/