02 ago 2019 Esdras CETAD, DESTAQUE (notícias em destaque), Notícias
A Teologia da Libertação, se tornou um grande movimento religioso em toda américa latina. Buscando analisar os problemas sociais a partir da visão cristã de amor e cuidado com o próximo, a Teologia da Libertação se aproximou cada vez mais com a visão marxista de combate às desigualdades sociais.
Tendo por base as condições sociais do Brasil, a Teologia da Libertação se desenvolveu procurando agir diretamente com a população mais carente e teve destaque em oposição ao regime militar desenvolvido no Brasil. Porém, entre tantas questões e controvérsias não existem muitos estudos sobre a participação ativa dos teólogos de tal movimento na resistência e posterior desenvolvimento da democracia no Brasil.
Esse estudo visa compreender as origens e a importância dos estudos teológicos na formação da esquerda brasileira, e quais os efeitos dessa articulação teológica-política. Uma área bastante negligenciada pelos estudos tanto teológicos, como históricos e sociais.
Introdução
A teologia da libertação é sem dúvida a maior expressão de sensibilidade que surgiu dentro da teologia no último século. Ela rompe com conceitos clássicos da Igreja Institucional para focar em ideias que trabalhem com a questão da igualdade social, luta pelos direitos humanos, combate ao totalitarismo e defesa do cristianismo mais humanizado.
Teólogos citados ao longo desse trabalho, depositaram lágrimas, orações, palavras, fé e sangue para que em um período bastante conturbado da história da América Latina, grupo sem esperança pudessem enxergar a Cristo através da fé e ação verdadeira de fiéis que entenderam a motivação de Cristo como uma luta por justiça e igualdade.
Assim ao longo dessas páginas, é possível refletir sobre a origem da Teologia da Libertação, bem como suas motivações e principais influencias, visto ser apresentado o contexto latino-americano e a teoria marxista de maneira bastante aprofundada.
Também se faz presente as questões fundamentais apresentadas pela Teologia da Libertação em seus aspectos teológicos, políticos e sociais.
Em um recorte importante é possível compreender a teologia da libertação no Brasil, bem como o balanço feito pelo importante teólogo brasileiro, Leonardo Boff.
Por fim, se faz uma reflexão sobre os caminhos da Teologia da Libertação em nossos dias, bem como os desafios e os caminhos escolhidos por tal interpretação cristã da fé e da ação político-social.
CAPÍTULO I
Origem da Teologia da Libertação
O Contexto Histórico Latino-Americano
O Século XX pode ser observado como um período de grandes transformações mundiais. Em função da quantidade de revoluções, guerras, conflitos locais, processos de emancipações nacionais, domínios totalitários e crescente democracia, é bastante complicado analisar estruturas ideológicas ou bases de pensamento se afastando de tais questões.
Somando-se a tais eventos históricos, o longo processo de globalização contribui para que ideias de diversos locais do Mundo, pudessem encontrar solo fértil para seu desenvolvimento frente a situações locais em muitos casos.
É nesse contexto de transformações, que a cristandade na américa latina, já fruto particular de um processo histórico marcado pela colonização luso-espanhola, deve ser observada ao longo do século XX.
Portanto, frente a processos de independência ao longo do século XIX, a América Latina, passa a ter em suas nascentes repúblicas a experiência de governos modernizantes e desenvolvimentistas. E, é nesse contexto que surgem formas variadas de observação da questão religiosa frente aos dilemas e questões sociais surgidas por séculos de exploração sofridos por tais Países.
A partir da década de 1930, surgem governos com alto apelo populista, estimulando o nacionalismo e a formação de consciência nacionais, ao mesmo tempo que estimulam o crescimento industrial e consequentemente a implementação mais acentuada do Capitalismo.
Evidentemente, o maior crescimento econômico pautado do sistema de produção capitalista, conduziu a América Latina ao aprofundamento das crises sociais tendo como base a imensa e crescente desigualdade social vista nesses Países.
Enquanto a situação mundial, leva a Segunda Guerra, a América Latina, passa a contemplar as ações coletivas de grupos oprimidos desejosos de lutarem por direitos e melhora das condições de vida.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, e o início da acirrada disputa entre URSS e EUA, marco da Guerra Fria, a América Latina passa a ser palco de enfrentamentos e movimentos cada vez mais articulados sobre a influência do prisma Marxista, grande representação das Lutas populares e trabalhadoras em todo Mundo.
A partir da Revolução Cubana, movimentos de caráter popular passam a ganhar ainda mais força por toda a América Latina, como um sopro de esperança e motivação contra as mazelas que assolam a maior parte da população.
Além das questões político-ideológicas presentes no crescente de intelectuais marxistas, vale salientar que a questão social fazia parte de diversos grupos católicos. Segundo Euler R. Westphal:
Na Igreja Católica existiram vários movimentos que assumiram a missão social, entre eles a JAC (camponeses), a JEC (operários) e a JUC (universitários), e ainda o Movimento de Educação de Base e as primeiras Comunidades Eclesiais de Base. Assim, clérigos e leigos assumem o compromisso sócio-político. (Westphal, 2011)
No contexto de surgimento das ditaturas na América Latina, esses grupos se organizaram inclusive, em alguns casos, na luta armada direta contra os governos totalitários, dando amplitude para a crítica a situação de subdesenvolvimento da população latina.
Explicando tal situação, a Teologia do Progresso se apresentava como caminho, afirmando que o desenvolvimento dos povos subdesenvolvidos poderia ser possível com a aplicação de novas tecnologias e favores dos países ricos. O próprio Concílio Vaticano II (década de 1960) defendia um Mundo livre do conflito de Classes creditando a solução a fantasia burguesa de igualdade possível, mesmo diante do óbvio abandono e sofrimento dos povos explorados do Mundo, como o caso da América Latina.
Os grupos militantes cristãos passaram a receber a partir de então o reforço de uma ala mais à esquerda da Igreja Católica que, baseando-se em teorias de base sociológicas começaram a articular novas questões teológicas com forte argumentação e vivência social, buscando contextualizar a visão eclesiástica a necessidade dos povos oprimidos que sofriam dia-a-dia com a pobreza enormemente visível na América Latina.
Nesse contexto, no Congresso de 1969, no México, a teologia latino-americana conquistou sua autonomia, passando a constituir seu discurso voltado a reflexão à questão da injustiça social, dentro do contexto histórico do século XX.
Dessa forma, a partir das letras de nomes como: Gustavo Gutiérrez, Segundo Galilea, Juan Luiz Segundo, Lucio Gera, Emílio Castro, Júlio de Santa Ana, Rubem Alves e Jose Miguez Bonino, se articulava a Teologia da Libertação.
As primeiras letras, se tornaram raízes profundas a partir de 1968. Na II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, o tema “Vaticano II à luz da realidade latino-americana, o contexto sócio-político deu o tom dos debates.
Frente as ditaduras e a forte repressão vivenciadas em vários Países da América Latina, a Conferência de Medellín, apontou novos caminhos. Segundo Battista Mondin, citado por Euler R. Westphal,
A conferência de Medellín modificou alguns temas fundamentais em relação ao Vaticano II: na primeira questão, a posição do Vaticano II defende a postura desenvolvimentista a partir dos países ricos. Enquanto isso, Medellín aborda a questão do subdesenvolvimento a partir dos países pobres e define isso como colonialismo e opressão. Na segunda problemática, o Vaticano II postula pela igreja no mundo, suavizando os conflitos sociais. Medellín diminui a distância entre a igreja e o mundo, inclusive o mundo no qual a igreja está inserida encontra-se em ebulição revolucionária. O Vaticano II permanece preso à preocupação eclesiástica, pois aqui é tratado da renovação da própria igreja, enquanto que Medellín fala da transformação da igreja, porque ela é um reflexo da realidade do mundo de miséria e injustiça no qual se encontra. (Westphal, 2011)
Diante das novas formas de análise propostas a partir de Medellín, o subdesenvolvimento é visto não mais como fatalidade, mais como crime. Sendo consequência direta do abuso de poder e das estruturas sociais profundamente injustas. Os homens, criadores de tais estruturas e profundamente indiferentes a situação de subdesenvolvimento são considerados culpados, e dessa forma assumem o pecado[1] de não olharem as populações carentes em suas necessidades.
Dessa forma, o combate ao pecado é também parte da obra de Cristo. Lutar pela libertação dessa escravidão, bem como defender a libertação do Homem em todas as suas dimensões passou a ser o foco dos teólogos de Medellín e a partir de então, passaram a assumir uma teologia que fosse mais autêntica frente as angústias e esperanças do ser humano e oferecendo a salvação integral em Cristo.
Em meio ao turbilhão de questões levantadas em Medellín, as publicações subsequentes apresentaram a Teologia da Libertação ao mundo. Gustavo Gutiérrez defendia a teologia da libertação como alternativa à teologia do desenvolvimento e seguindo ele, outros teólogos, inclusive de base protestante, seguiam o mesmo caminho.
Em 1970, em Bogotá, é organizado o primeiro congresso sobre a teologia da libertação e depois de debates e questionamentos os primeiros textos são publicados, sendo os principais:
– De la sociedad a la teologia – Juan Luís Segundo (1970)
– Apuntes para uma interpretación de la Iglesia Argentina (1970)
– Teologia da Libertação, perspectivas – Gustavo Gutiérrez (1971)
– Jesus Libertador – Leonardo Boff (1971)
– Opressión-lieración: desafio de los cristianos (1971)
O Contexto das Ditaduras na América Latina
A forte repressão vivida nos países da América Latina em função da interferência dos EUA na política de tais países e o surgimento de violentas ditaduras apresentou os caminhos a serem percorridos pela nascente Teologia da Libertação.
Com o fracasso do projeto norte-americano de alianças na América, diante do cenário de Guerra fria, e o constante movimento de grupos de cunho comunista, socialista ou ainda anarquista, levou os EUA a mudarem suas estratégias a respeito do continente.
Sobre forte influência ou participação dos Estados Unidos, a América Latina passou a ser assolada por golpes de Estado e consequentes ditaduras. Brasil em 1964, Argentina em 1966, Uruguai em 1972, Bolívia e Chile em 1973, além dos diversos ataques orquestrados a grupos políticos em diversos países demonstraram os rumos que a política externa dos Estados Unidos assinalavam para a América. Liberdade e Democracia, sediam lugar para a visão americana de “proteção da Civilização” baseado na Ordem e na Segurança.
Essa ideologia, articulada com a promessa de defesa dos valores cristãos, visto trabalhar com a imagem do comunismo como força de atuação do próprio demônio, se revestiu de todo aparato militar, com armas, torturas, violência e mortes, afim de extirpar o “mal” que era “demonizado” na figura do Comunismo de Karl Marx.
Assim, contrariando as reuniões do Conselho Episcopal Latino Americano (CELAM), que apontavam para a defesa da teologia progressista, em conformidade com a visão política norte-americana, os teólogos da libertação se aproximavam cada vez mais dos movimentos populares de luta pela libertação da América Latina.
Os confrontos passaram a ser inevitáveis. Conforme a teologia da libertação ganhava espaço, a oposição e perseguição os teólogos também crescia. Pelo menos até a década de 1980, muitos teólogos, missionários, sacerdotes e pessoas ligadas ao movimento da teologia da libertação foram presos, torturados e mortos.
Citado por Euler R. Westphal, a seguinte passagem exemplifica tal período histórico:
Em toda América Latina houve muitos assassinatos (…) Particularmente traumático foi o assassinato, pelos soldados do Exército Nacional em San Salvador, El Salvador, dos teólogos jesuítas que defendiam a causa dos pobres na América Central, em 16 de novembro de 1989. Esses teólogos são considerados mártires da causa da libertação: Ignacio Ellacuría, Segundo Montes, Ignacio Martín-Baró, Armando López, Juan Ramón Moreno, Joaquín López-López. Com eles também foram brutalmente assassinadas a funcionária da residência dos jesuítas. Elba Julia Ramos e sua filha, Celina, com apenas 15 anos. (Westphal, 2011)
[1] O conceito de pecado está diretamente ligado a estrutura da sociedade, visto que aos pobres é privado o direito a justiça. Segundo Leandro Otto Hofstätter: “Assim, há uma realidade de pecado porque a história da salvação tornou consciente esta realidade como negação da vida aos pobres” (Hofstätter, 2003)
Continua na próxima sexta-feira…..
LEITE, Jonathan de Souza. A teologia da libertação: fé, política e luta. Monografia apresentada na conclusão do Curso de Teologia da Unar – Centro Universitário de Araras “Dr. Edmundo Ulson”: 2019.
Sobre o autor:
Membro da Assembleia de Deus – Belém – Campo de Limeira, em Artur Nogueira, Jonathan é formado em ciências sociais pela Unesp, com especialização em ensino de história. Ele é graduando em Teologia pela UNAR e bacharel em teologia pelo Cetad. Jonathan é Professor de história, filosofia, sociologia e teologia.