09 ago 2019 Esdras CETAD, DESTAQUE (notícias em destaque), Notícias
CAPÍTULO II
Questões Fundamentais da Teologia da Libertação
Aspectos Teológicos
A Teologia da libertação é constituída por duas bases fundamentais. A primeira base é o compromisso em promover a Libertação. Segundo Gustavo Gutiérrez, citado por Sérgio Torres e Virgínia Fabella “A teologia é a reflexão crítica sobre a práxis histórica e procede do íntimo dela, e a práxis histórica da teologia da libertação é aceitar e viver a palavra de Deus pela fé” (Torres, Fabella, 1982).
Dessa forma, se evidencia que a teologia da libertação tem sua gênese na dinâmica dialética de teoria e prática e só pode ser compreendida dentro da lógica de observação da realidade do oprimido e sua necessidade de libertação. Não é apenas discurso frente a alma do fiel, se constitui na luta pela libertação plena do ser humano.
E assim, a segunda base fundamental da teologia da libertação se apresenta. Deus é visto como um Deus libertador, que só se revela no contexto histórico de concreto de libertação dos pobres e oprimidos.
Portanto, a teologia é a reflexão crítica sobre a práxis concreta da humanidade. Esta práxis sendo vista como a luta contra a pobreza imposta através de um sistema produtivo opressor.
O pobre, no contexto da teologia da libertação não é objeto de caridade mas sim, agente histórico de transformação e sujeito de sua própria libertação. É em sua prática que Cristo pode ser encontrado pelo ser humano. Assim, Fé e Espiritualidade assumem uma nova forma muito mais próxima do ser humano histórico do que na teologia desenvolvimentista.
A questão Político-Social
Sem dúvida, dois fenômenos sociais são essenciais para a Teologia da Libertação ganhar espaço e importância na América Latina.
A forte mobilização e a organização, embutida na gênese de luta do povo latino-americano motivou os discursos dos teólogos que questionavam a teologia desenvolvimentista.
Dessa maneira, a questão dos pobres na América fez-se tema da teologia da libertação da mesma forma que a questão permeava as lutas sociais nos campos e cidades, contra a dominação externa e a ação autoritária dos governos ditatoriais que estavam em ascensão nos diversos países.
Assim o pobre passou a ser o centro do discurso espiritual em sua aproximação da condição de oprimidos a condição de Cristo, perseguido e oprimido por sua bondade e simplicidade, e Ele, como o Salvador, veio libertar o povo humilhado além de espiritualmente, também materialmente, ou seja, socialmente e politicamente.
De maneira bastante eficaz, a teologia da libertação articulou a questão da espiritualidade com a ação popular de resistência e organização e, dessa forma, serviu de motivação para diversos movimentos sociais que encontraram respaldo espiritual em suas lutas cotidianas.
Então a questão do feminismo, por exemplo, bem como a questão do racismo se tornam recorrentes em todo discurso teológico dos estudiosos da teologia da libertação e arrebatam seguidores que se sentem contemplados pela visão espiritual/social apresentada.
Segundo Dussel (Dussel, 1981), a influência da esquerda tradicional, levou a construção de uma teologia próxima a ação revolucionária, podendo ser identificada como uma teologia do martírio. Essa teologia, cada vez mais socializada é permeada por uma forte religiosidade popular e vai se constituindo de maneira praticamente orgânica no espaço da luta popular, e não mais no ambiente intelectual acadêmico.
O Marxismo
A Teologia da libertação teve importante participação no rompimento das barreiras, preconceitos e aversões que seperavam os fiéis da Igreja e os movimentos políticos de base ou orientação marxista.
Esse afastamento se faz ainda hoje presente em muitos grupos religiosos pela dificuldade de observação do marxismo como forma de crítica social, sobretudo contra as desigualdades de classes, e por compreenderem a luta de classes como um estimulo a violência e agressividade.
Vale salientar também, que segunda a orientação religiosa tradicional, o marxismo leva a concepção de ateísmo e ataque direto ao conceito de igreja e religião.
De qualquer maneira, a pobreza existente na América Latina fez convergir a teologia da libertação e o marxismo, produzindo frutos verificados em vários teólogos no Brasil e na América Latina.
É possível verificar que o socialismo e o cristianismo possuem aspectos em comum, dessa foi possível uma forte integração entre os discursos conduzindo a formação da Teologia da Libertação.
Segundo Michel Löwy, observamos: A crítica ao sistema capitalista, crítica as doutrinas liberais, visões individualistas de mundo, o valor dado à comunidade, a divisão comunitária dos bens, a visão de respeito aos pobres e vítimas de injustiça, o universalismo da humanidade e a esperança de um futuro de justiça, liberdade, fraternidade entre toda humanidade. (Löwy, 2000)
Além dos pontos citados, é importante a reflexão que tanto para o Marxismo, como para a Teologia da Libertação os povos oprimidos são responsáveis por promoverem sua própria emancipação, sendo portanto, sujeitos históricos ativos no processo de luta dos países da América Latina, rompendo com a pregação tradicional da Igreja que defende a visão de cuidado paternalista com os pobres.
Portanto, o cenário de revoluções, ascensão de ditaduras e interferências dos EUA nos países da América Latina acabou por criar a possibilidade histórica de aproximação entre a teoria marxista e a teologia da libertação, tendo esta, ampliado o espaço de luta de classes para além do proletariado, levando o discurso de ação política as classes, raças e culturas oprimidas.
Assim foi possível criar um espaço ativo de lutas sociais fundamentada em uma forte teoria sociológica de crítica social e reforçada pela grande religiosidade e devoção presentes no imaginário popular dos povos da América Latina.
Temas Principais
Segundo Claudio Carvalhaes[1] e Fábio Py[2], existem seis temais principais que circunscrevem o universo da teologia da libertação apresentando-se da seguinte forma:
Primeiro, o método. A Teologia da Libertação expande as fontes da revelação divina. Junto com os documentos da igreja e a Bíblia, as vidas das pobres tornam-se não somente fontes para o discurso de Deus, mas um eixo hermenêutico a partir do qual a fé e a doxa serão compreendidas. A praxis torna-se esta forma complexa de abordar a vida, teoria, tradição e teologia. Em segundo lugar, salvação. Como consequência, um dos grandes temas da teologia cristã, a salvação, ganha um novo entendimento. A salvação deste mundo desloca-se para a salvação neste mundo. Isto significa que o mundo tem pecados sociais estruturais e a salvação torna-se a libertação destes pecados; a vida encontrada em Jesus Cristo pode ser vivida dentro da história! Em terceiro lugar, a opção preferencial pelos pobres. Os teólogos da libertação leem a Bíblia a partir da ótica do pobre e descobriram que, ao longo de toda a Bíblia, Deus faz uma clara opção preferencial pelo pobre. Em quarto lugar, lutas de classe. Ao olharmos para as vidas dos pobres, vemos nossas realidades e vemos que o mundo é marcado pelas lutas por riqueza. Dinheiro/economia é o maior vagão do trem da História. É a sede por dinheiro e acumulação que cria uma distinção entre as pessoas e estabelece as lutas de classe. Quinto ponto: consciência. O amor preferencial de Deus pelo pobre não só vê o pobre como receptáculo do amor de Deus mas, além disso, aprendemos a ver o pobre como agentes do amor de Deus no mundo. É Jesus no meio dos pobres, nus, famintos, sedentos e encarcerados, mostrando onde Deus vive e de onde vem a salvação à medida que consideramos a presença de Deus na História. Sexto, os teólogos se transformam em “intelectuais orgânicos”, aqueles que, para fazer o trabalho acadêmico, vivem com o pobre e aprendem com eles sua sabedoria, e ajudam o povo a ganhar, nas palavras de Paulo Freire, consciência do seu poder e a possibilidade de promover transformação neste mundo. Como sujeitos da sua própria história! (Carvalhaes & Py, 2018)
[1] Teólogo oriundo da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, com Doutorado em Teologia e Liturgia pelo Union Theological Seminary de Nova York, onde hoje atua como professor.
[2] Teólogo originário da Igreja Batista, Doutor em Teologia pela PUC – Rio de Janeiro. Presentemente é professor-convidado e Pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense (FAPERJ-UENF) .Articulista do Blog “Caros Amigos”.
Continua na próxima sexta-feira…..
LEITE, Jonathan de Souza. A teologia da libertação: fé, política e luta. Monografia apresentada na conclusão do Curso de Teologia da Unar – Centro Universitário de Araras “Dr. Edmundo Ulson”: 2019.
Leia também: https://assembleiabelem.com/a-teologia-da-libertacao-fe-politica-e-luta-parte-i/
Sobre o autor:
Membro da Assembleia de Deus – Belém – Campo de Limeira, em Artur Nogueira, Jonathan é formado em ciências sociais pela Unesp, com especialização em ensino de história. Ele é graduando em Teologia pela UNAR e bacharel em teologia pelo Cetad. Jonathan é Professor de história, filosofia, sociologia e teologia.
Imagem da Internet: http://www.euescolhiesperar.com/artigos/tenha-fe-nao-desista-agora