28 set 2019 Esdras CETAD, DESTAQUE (notícias em destaque), Estudo Bíblico, Notícias
3.3 – As crises sociais e o enfrentamento profético
Um dos pontos que mais diferenciam o profetismo judaico das outras culturas é o enfrentamento as crises sociais, geradas por problemas políticos e religiosos. Como já analisado neste trabalho, o movimento profético judaico não apenas faz previsões, mas promove uma análise das conjunturas daqueles dias.
Israel, como sociedade, passa por mudanças cruciais em seu sistema de vida, o que trouxe várias consequências históricas. Ao sair da escravidão egípcia, por cerca de quatro séculos, os Hebreus se tornam nômades ou seminômades. Nesse período, o sustento principal dependia dos rebanhos e da porção enviada por Deus – Maná (Êxodo: 16,4-31). Uma característica relevante dessa comunidade pastoril apontado por BEATO (1962) era a “consciência de família”, “o laço de parentesco, o senso de fraternidade que governava a maior parte das atividades do grupo social”.
Ao possuir Canaã, Israel passou a ser uma sociedade agrícola sedentária e a ênfase passou a ser na localidade, na vila, e não no clã, como ponta de aglutinação e de unidade. Nesse momento, surge o conceito de propriedade, bem e imóvel. “Ao assimilar esse conceito, Israel modificou-o para harmonizá-lo com sua fé, transformando a propriedade de terra em usufruto apenas, sem direito de alienação (Levítico: 25,8-25; Deuteronômio: 5:1-3)”, analisa BEATO (1962). Nesse caso, a propriedade não era privada, mas pertencia ao clã.
Mas com o crescimento da população e a inclusão do Estado Monárquico, Israel passa a ter uma sociedade urbana comercial. Evidente que essa alteração na vida social aumentou as complexidades e tensões.
Esse tipo de sociedade urbana e comercial fez um grande impacto sobre os israelitas no reinado de Davi. Os fatores que contribuíram para tanto foram a conquista das restantes cidades canaanitas e sua assimilação por Israel, inclusive com seus costumes estabelecidos; o estabelecimento que, de uma capital que com sua corte e forças militares, não podia ser sustentada pelo solo imediatamente vizinho, mas dependia do superávit econômico de toda a terra; e o começo, no reinado de Davi, de relações comerciais internacionais em alta escala com os Fenícios, ou seja, os canaanitas do norte. (BEATO, 1962)
Essas mudanças no estilo de vida trouxeram vários dilemas sociais, muito bem retratados por duas mães que disputam um filho (I Reis.3,16-28). Uma delas matou, acidentalmente o filho durante a noite e trocou o bebê morto por outro, de uma outra mulher vivo. A situação emblemática teve que ser resolvida pelo sábio Rei Salomão.
Porém, foi no reinado de Salomão, no século dez a.C que as crises se acentuaram devido aos pesados impostos, o trabalho forçado e o despotismo, “que se manifestava num tipo de capitalismo de Estado, acabaram com a liberdade dos súditos, fazendo-os escravos do rei, e transformando a propriedade deles em propriedade do monarca, ou seja, do Estado”, observada BEATO (1962).
A importação de grande quantidade de ouro e prata provocou uma repentina inflação. Os cidadãos eram forçados a hipotecar suas terras, suas pessoas e seus filhos, para atender às exigências dos impostos. Os juros eram altos, e muitos israelitas livres perderam as terras e se tornaram escravos; enquanto outros que tinham tido alguma vantagem inicial, amontoavam terras e dinheiro. A fraternidade dos tempos do deserto desapareceu para sempre, dando lugar à permanente separação entre os poderosos e os oprimidos; os ricos e os pobres. A riqueza e o poder tornando-se a meta dos esforços do indivíduo, a pobreza, a injustiça e a luta de classes se estabeleceram para sempre na sociedade israelita. (BEATO,1962).
Devido a essa situação, a crise traz a dinastia davídica a falta de governabilidade, e com o neto de Davi, o rei Reoboão, o reino se dividia. O cisma criou duas nações dentro de uma piorou as crises sociais, que, tinham reflexos políticos e religiosos.
No século 8 a.C inicia o desmonte do estado monárquico Judeu, sendo as dez tribos do Norte conquistadas e espalhadas por outras terras pelos Assírios. Dois séculos depois seria a vez do Sul não suportar as investidas dos Babilônicos e ver a monarquia e a sociedade judaica se ruir e acabar com os muros e o Templo de Jerusalém – ambos queimados.
3.3.1 – A posição dos profetas
Apesar dos profetas não serem adeptos ao estado nômade, mas fica claro que a sociedade ideal para eles foi aquela estabelecida durante da peregrinação no deserto do Sinai (Amós: 5,25; Oséias: 9,10; 2,14; Jeremias: 2,1-3). O profetismo, tendo como base a sociedade nômade, condenava o incentivo aos valores humanos e sociais inerentes ao Javismo.
Segundo os profetas, a estrutura social – econômica e política – deveria ser ética e religiosa, com base nos mandamentos Mosaicos. Por isso, o momento profético, que denominamos de profetismo, se acentua, de acordo com as crises sociais, ou seja, quanto maior a crise social, maior ênfase ganha os profetas.
Os profetas vêm para denunciar os desmandos sociais, frente aos mandamentos e ensinamentos bíblicos (Torá). O texto base para o profetismo é o Pentateuco, que será contrastado com a realidade social. Na mensagem profética ficará claro que as crises são provenientes à desobediência ao texto sagrado.
Por isso, no topo das condenações do profetismo está o pecado – que é um ato voluntário do homem contra Deus. O pecado, para o movimento, situa-se na não observância ou negligência às ordens divinas.
As condenações pelo pecado envolviam os líderes políticos e religiosos, latifundiário, comerciante, nobres e o rei. Os profetas apontavam quais os pecados, conforme a Torá, Israel tinha cometido e quais as consequências. Para eles, os problemas sociais derivam dos resultados dos pecados cometidos pelo povo.
Eles condenavam apaixonada e veementemente, a opressão, a violência, a sensualidade, a ganância, o roubo, a desonestidade, a sede de poder, a desumanidade cruel, a falsidade. Pecados de homens e mulheres, pecados que podem aparecer em qualquer sociedade, dessa maneira, qualquer sociedade em que tais ou semelhantes pecados prevaleçam, cai sob a mesma condenação (Jeremias: 7,9-10; Miquéias: 3,11; Oséias: 4,1-2; Amós: 8,5-6). Eles descrevem a situação ao vivo. Retiram o véu que encobre as aparências e exibem desnuda, a podridão e a corrupção (Amós: 3,10; Oseías: 6,8-9: Amós 2:6; Miqueias: 2,8; 3,1-3). (BEATO,1962)
Além de condenar o pecado, os profetas denúncia os benefícios adquiridos por meio escusos pelos ricos, sacerdotes e reis. Para os profetas que essa atitude aumentava a opressão ao pobre, à viúva e ao necessitado.
É interessante que o sistema de governo monárquico é implementado por profetas. Mas, eles deixam claro que o sucesso do Estado dependia se o governante fosse submisso a Deus (o rei máximo) e as Escrituras. No Judaísmo, o rei ou o sumo sacerdote (líder máximo religioso), estão sob a Lei e os mandamentos.
A não aplicação da Lei e os Mandamentos trazia opressão, empobrecimento da nação, desigualdade social e perda de poder frente aos outros países. O profeta vai recriminar o rei e os que exercem autoridade.
[…] os gordos sacerdotes, os gananciosos profetas profissionais, e os ‘sábios’ parasitários (eram líderes e orientadores da comunidade, e todos eram condenados); os que vivem no luxo sem se incomodarem com os necessitados à sua porta; e em especial as mulheres ricas, vazias e irresponsáveis; os juízes venais, os credores em coração, os donos de casas suntuosas, e os cúpidos proprietários de terras (Oseias: 4,4-6; 5,1; Miqueias: 3,5-6 e 11; Amós: 4,1; 6,1-7; Isaías: 3,1-3 e 13-15). À sua ira contra os opressores e sua piedade pelas vítimas, os profetas acrescentavam a denúncia da apatia e degeneração popular. Se os príncipes eram Sodoma, o povo era como o povo de Gomorra (Oseias: 4,5; Isaías: 1,10)”. (BEATO,1962)
Para ilustrar vale lembrar as palavras do profeta Jeremias (25,1-14), que apontam os motivos que levaram Israel ao cativeiro babilônico. Em primeiro estava a idolatria dos reis, a perversão dos sacerdotes, a degradação moral e a desobediência as Leis de Deus, principalmente, o ano sabático. Um outro problema eram as injustiças sociais e a escravidão, que sustentava a segurança política e econômica favorecia somente os comerciantes e a corte. O resultado disso foi a miséria do povo (2 Reis: 14,26; Amós: 2,6; 8,6).
As atrocidades condenadas pelos profetas não eram simples aberrações individuais, mas tinha se tornado um problema social, que permeava estrutura política, as atividades econômicas, a cultura e os padrões morais aceitos, afetando profundamente a religião.
Essas atrocidades sócias correspondiam à forma e aos fins da própria ordem social devido a quebra dos princípios sobre os quais a sociedade judaica se assentava e aos valores que ela representava e defendia.
Conclusão
A figura do profeta veterotestamentario é, no mínimo, enigmática, porém, uma das chaves para compreensão da história política de Israel. Esse trabalho não teve a pretensão de esgotar o assunto, mas de tentar mostrar que o movimento profético, aqui atribuído de profetismo, foi fundamental como resposta para as crises sociais.
Como é de se esperar, o principal personagem do profetismo é o profeta, que, na concepção judaico-cristã, consegue, de uma forma natural, atraia as outras pessoas para ouvi-lo. Além disso, acrescenta Caramelo (2015), o profeta possui uma árdua tarefa que ultrapassa expressão pontual de um oráculo, “mas que, pelo contrário, lhe determina a vida, fazendo dela um ministério”.
O profetismo judaico é muito mais que uma voz ou intermediação com o divino. O profeto no Antigo Testamento é um líder que conduz a nação hebreia uma reforma social e religiosa. Essa característica torna o profetismo em Israel um modelo único na história dos povos, comparado aos profetas de Mari e Assíria.
Porém, devido esse acesso vocacional aos problemas sociais, o profeta encontrará resistência dos governantes. Essa resistência o colocará ao ostracismo, a impopularidade e a marginalização.
Os profetas funcionaram como guardiões das leis e mandamentos de Deus. Em Israel, o monarca nunca deveria estar acima das disposições regimentais estabelecidas pelo Todo Poderoso.
O profetismo foi o “fiel da balança”, para denunciar os desvios dos monarcas. A atividade do profeta não era um critico do político, mas de toda a sociedade civil e religiosa. Ele denunciava a corrupção e a deturpação da legislação divina dos ricos, sacerdotes, levitas e do povo no geral. Até as nações vizinhas a Israel não passava desapercebidas pelo crivo dos profetas.
O ponto alto do profetismo foi o período literário, quando foram produzidas 17 obras. Eles usavam as narrativas para comunicar a execução do plano de Deus prevista no Antigo Testamento.
Por isso, a profecia no contexto veterotestamentário é um resumo da execução do plano de Deus e não simplesmente uma previsão futurística. Um outro detalhe que a mensagem dita pelo profeta não está oculta sob símbolos ou padrões subliminares.
Por fim, como ressalta o professor Dr. Padre Mauro Negro (2009), o profetismo em Israel foi à personificação da “Palavra do Deus na Aliança”. O profeta, em sua atuação, não dependia de uma relação com o culto ou os rituais. Tão pouco, ele fazia uma política de boa vizinhança, formalismo ou ativismo religioso. “Pelo contrário, o profeta possui uma relação intensa, de arrebatamento e dedicação, que determina sua vida e sua mensagem” (NEGRO, 2009).
Imagem em destaque (crédito): http://www.editoracpad.com.br/institucional/integra.php?s=5&i=365
Leia os artigos anteriores:
Profetismo veterotestamentário como reação à crise social (Parte I)
Profetismo veterotestamentário como reação à crise social (Parte II))
Profetismo veterotestamentário como reação à crise social (Parte III)
Profetismo veterotestamentário como reação à crise social (Parte IV)
SILVA, Esdras Domingos da. Profetismo veterotestamentário como reação à crise social. 2018-2019. 51 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de Teologia – Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson (Unar), Araras (SP), 2019.
O Autor:
Esdras Domingos da Silva é casado e presbítero da Assembleia de Deus – Belém – Campo de Limeira, em Artur Nogueira. Ele é jornalista, bacharel em teologia pelo CETAD e UNAR e especializado em gestão ambiental pela Faculdade Anhanguera. Esdras é um dos responsáveis pelo site da IEAD Belém e professor no CETAD
Contato: formigadomingos@gmail.com